Brexit: entenda o artigo 50 e como será a saída da UE
Wasim Mir, embaixador em exercício da Inglaterra no Brasil, aponta as negociações – e obstáculos – até que o país deixe o bloco
Nove meses após os britânicos votarem por deixar a União Europeia (UE), o divórcio do bloco teve início, de fato, nesta quarta-feira. A despedida é regida por apenas 250 palavras, o artigo 50 do Tratado de Lisboa, que prevê o processo sem precedentes da saída de um membro. Para ambos os envolvidos, não há caminho óbvio a ser seguido e sobram dúvidas sobre as negociações que, ditam as regras, não poderiam ocorrer formalmente até hoje.
Em entrevista a VEJA, Wasim Mir, encarregado de negócios da Embaixada da Inglaterra no Brasil e atualmente à frente da missão diplomática no país, explicou o que acontece nos dois anos de conversa e quando o país começará a caminhar sozinho.
O que é o artigo 50 e o que a sua ativação significa no processo de saída da Inglaterra da UE?
Nossa primeira-ministra, Theresa May, escreveu uma carta onde afirma que queremos sair do bloco, ativando o artigo 50 do Tratado de Lisboa. Nosso embaixador na UE, em Bruxelas, passou esse documento ao presidente do Conselho Europeu. A carta inicia o processo do Brexit – significa que hoje começaremos a negociar como vai ser a saída e também a desenhar a nova relação com a UE. Já tivemos conversas informais com países parceiros, mas o processo formal começa hoje.
A Inglaterra está preparada para iniciar a contagem regressiva?
Depois do referendo, em julho, criamos um ministério chamado Departamento para Saída da UE (DExEU, na sigla em inglês), a primeira-ministra apresentou nosso plano para o Brexit e, no mês passado, tivemos um debate no Parlamento que aprovou o processo do artigo. Houve bastante preparação interna e informal até começar a conversar oficial.
Quais objetivos de Londres nesta negociação?
Para a Inglaterra, o importante é que vamos sair da União Europeia, mas não saímos da Europa. Nossas relações com nossos parceiros na UE são essenciais e queremos um processo construtivo, que mantenha esse contato. Precisamos, principalmente, discutir a relação de negócios para o futuro, na qual queremos manter um acordo de livre comércio, além dos direitos dos cidadãos britânicos que vivem em outros países da UE e dos europeus que estão no Reino Unido. O desejo do governo britânico é minimizar disrupções para nossas empresas, continuar trabalhando na situação da Irlanda do Norte e fazer a negociação de saída o mais rápido possível.
Segundo o artigo 50, o prazo entre a ativação e a conclusão das negociações é de dois anos. Na prática, é tempo suficiente? O que acontece se não houver um acordo final após esse prazo?
É tempo suficiente se os dois lados trabalharem com uma postura postura positiva e de cooperação. Se não acontecer, nossa premiê diz que sairemos da UE e nossas relações com o bloco vão ficar como são hoje para os outros países de fora. Isso é, dentro de regras internacionais das Nações Unidas, da Organização Mundial de Comércio e outras.
Quais são passos até que a Inglaterra, de fato, não seja mais membro?
Hoje nós continuamos parte da União Europeia, com todos os direitos e obrigações, igual a ontem. Ainda participamos dos mesmo comitês, processos e discussões que os outros membros. O status muda quando terminarmos a negociações, em 2 anos ou possivelmente antes. A realidade é que é a primeira vez que um país sai da UE e participa de tais discussões, por isso, não sabemos quais serão as regras e precisamos defini-las nos próximos dias.
Será possível preservar os direitos que os britânicos têm hoje em outros países do bloco e vice-versa, como a questão do livre movimento, de trabalho e de estudo?
A questão do livre movimento vai mudar quando sairmos do bloco. Nós gostaríamos de controlar nossas fronteiras. Mas a situação exata ainda não sabemos e precisamos resolver nas negociações. Os dois lados querem criar um pouco de certeza para esses cidadãos, o que não temos hoje, por isso acredito que será decidido rapidamente.
Apesar de ser algo que diz que respeito à UE e à Inglaterra, o Brexit vai ter consequências na economia e na política global. No caso do Brasil, como a ativação do artigo 50 pode afetar o país?
Hoje nós temos assuntos que discutimos com o Brasil enquanto parte da UE, mas a nossa relação com o país é, primeiramente, bilateral e direta. Ambos são membros do G20 e nos comunicamos perante as Nações Unidas, por exemplo. O Brasil foi, é e continuará sendo importante para nós. Além disso, haverá espaço para novas e positivas oportunidades de negócio.
Na terça-feira, o Parlamento da Escócia aprovou uma nova proposta de referendo sobre a independência do país. Será mais um problema no caminho do processo de construir uma nova Inglaterra, que seja forte fora da União Europeia?
Os defensores da independência vão se aproveitar deste momento para voltar a discutir o assunto, mas nada é mais importante que o Reino Unido permaneça completo. Nosso é foco nos próximos meses e anos é criar uma relação ainda mais forte entre Inglaterra, País de Gales, Irlanda do Norte e Escócia e vamos trabalhar para fazer isso. Há dois anos, a maioria da Escócia disse claramente que queria seguir parte do Reino Unido e queremos que permaneça assim.