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Canel é pior que Enel: a crise que mergulhou Cuba na escuridão

O apagão em São Paulo virou fichinha perto da tragédia que afetou os cubanos durante um fim de semana, ampliando as mazelas que abalam o governo

Por Caio Saad Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 26 out 2024, 08h00

O “período especial”, definição de Fidel Castro para o doloroso corte de subsídios essenciais que se seguiu ao fim da União Soviética, foi encarado pelos cubanos como o pior que lhes podia acontecer. De lá para cá, a população vem aprendendo, a duras penas, que a situação sempre pode ficar mais difícil. Carente de recursos próprios, submetida a um sufocante bloqueio econômico por parte dos Estados Unidos e administrada por um sistema burocrático e ineficiente, Cuba sente falta de tudo que é básico: comida, combustível e medicamentos. De desastre em desastre, o governo do presidente Miguel Díaz-Canel enfrenta os efeitos de uma sequência de apagões que mergulhou o país na escuridão. Durante todo um fim de semana, os quase 11 milhões de cubanos ficaram sem eletricidade — mais do que o triplo dos 3 milhões de usuários que a periclitante Enel deixou às escuras após um temporal em São Paulo no dia 11. Para coroar o enredo de desgraças, um furacão açoitou a ilha, deixando seis mortos e provocando novas quedas de energia.

Após o primeiro apagão, ao meio-dia de sexta-feira, 18, o Ministério da Energia postou no X que uma falha na maior das oito usinas elétricas da ilha, a Antonio Guiteras, havia provocado a “desconexão total” da rede nacional. Durante os trabalhos de reparação, a eletricidade voltou a ser cortada três vezes em todo o país, restando iluminados apenas prédios do governo, hospitais e hotéis de luxo que contam com geradores próprios. “A ruína energética é resultado das falhas do planejamento centralizado imposto pelo poder político”, analisa o economista cubano Pedro Monreal. Lado a lado com a pressa em restaurar a rede elétrica ficou clara a preocupação do governo em se prevenir contra protestos da população. No domingo à noite, com a luz de volta a boa parte do país, Díaz-Canel, em uniforme militar (que raramente usa), foi à TV avisar: “Não vamos aceitar nem permitir atos de vandalismo ou que afetem a tranquilidade de nosso povo”.

Falta de eletricidade não é novidade para a população, embora apagões dessa dimensão sejam raros — no interior, principalmente, são comuns racionamentos de até vinte horas. Todas as usinas elétricas cubanas funcionam há mais de meio século com equipamento obsoleto e sem peças de reposição, mas seu maior problema hoje em dia é a falta de combustível. Cuba produz apenas 40 000 dos 120 000 barris de petróleo que consome por dia e dependia da Venezuela para suprir o déficit a preços acessíveis a um país mergulhado em abissal crise econômica — o turismo, principal fonte de renda após o colapso da União Soviética, afundou na pandemia e nunca mais voltou ao que era. “Pegamos 24 horas sem energia. A crise é evidente, com gente pedindo dinheiro na rua, lixo acumulado e filas nos supermercados”, relata o carioca André Torres, 41, que esteve lá de férias com a namorada.

SÓ PROBLEMAS - O presidente Díaz-Canel: preocupado com a explosão de novos protestos
SÓ PROBLEMAS - O presidente Díaz-Canel: preocupado com a explosão de novos protestos (Ernesto Mastrascusa/EFE)

A suspensão de algumas sanções americanas que impediam o comércio de seu óleo levaram o governo de Nicolás Maduro a desviar boa parte das remessas para Cuba a melhores clientes. Outros dois fornecedores a preços amigos também diminuíram as entregas: a Rússia, por causa da guerra na Ucrânia, e o México, devido a uma queda de produção. No fim de semana do apagão, o cenário em Havana era de pessoas cozinhando com lenha nas calçadas, em meio a um corte drástico de troca de mensagens pela internet, seja por falta de acesso, seja pela impossibilidade de recarregar a bateria do celular ou do laptop. Houve panelaços ruidosos em bairros da capital. O governo suspendeu as aulas nas escolas por três dias e deu folga aos trabalhadores não essenciais. “Em suma, estamos paralisando a atividade econômica”, resumiu o primeiro-ministro Manuel Marrero.

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Cansados de privações, mais de 1 milhão de cubanos — quase 10% da população — foram para o exílio entre 2022 e 2023, número que se prevê explodir novamente agora, em triste ciclo vicioso. Do escritor Leonardo Padura, autor de O Homem que Amava os Cachorros: “O principal objetivo de um cubano, hoje, é sair do país”.

Publicado em VEJA de 25 de outubro de 2024, edição nº 2916

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