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China ameaça manifestantes de Hong Kong com ‘tolerância zero’

Ativistas seguem nas ruas e, em seu maior ato de rebeldia, quebraram as portas do Conselho Legislativo e o invadiram

Por Caio Mattos
Atualizado em 4 jun 2024, 15h41 - Publicado em 5 jul 2019, 06h30
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  • Vidraças quebradas, paredes pichadas e barricadas erguidas. O clima de guerra em que vive Hong Kong desde abril, quando o governo anunciou uma lei de extradição que a população rejeita, acirrou-se na manhã da segunda 1º com um ato de provocação nunca visto: no aniversário da devolução da ilha à China, os ativistas simplesmente quebraram as entradas de vidro do Conselho Legislativo, conhecido como LegCo, e o invadiram. Na Hong Kong que o Reino Unido entregou em 1997, Pequim não manda diretamente — o LegCo legisla o que a dirigente Carrie Lam decide, e Lam concorda com tudo o que o governo chinês determina. O problema é conciliar esse estado de coisas com certo grau de autonomia a que a sociedade de Hong Kong tem direito até 2047. Em um ambiente que nunca foi cordato, a teimosia de Lam em não desistir de vez da lei — ela aceitou retirá-­la da pauta, mas não deletou a intenção — fez o shoyu entornar de vez.

    Na sede do Legislativo, a multidão pregou banners (“Não há tumultuadores, há tirania”) e ocupou os setenta assentos — apenas quarenta eleitos diretamente. Com spray preto, cobriu o selo e demais referências à República Popular da China. Por volta da meia-­noite, a tropa de choque entrou, baixou os cassetetes e jogou gás lacrimogêneo nos que permaneciam lá. Foi o mais violento desafio às ordens do governo de Hong Kong desde a chamada Revolução dos Guarda-Chuvas, em 2014, que levou à prisão de 955 manifestantes.

    Os quase 2 milhões de ativistas que hoje lotam as ruas de Hong Kong — com área equivalente à do Rio de Janeiro — querem, além do fim da lei de extradição, a qual acham que vai facilitar o envio de opositores para ser julgados na China, a deposição da dirigente Lam. Os manifestantes exigem ainda a extinção das ações contra os opositores presos e a criação de uma comissão investigativa que apure o excesso de violência usado pelos policiais desde que a leva atual de protestos se intensificou, em 9 de junho.

    Mesmo entre os manifestantes há quem tenha dúvida sobre a eficácia do confronto direto com uma administração totalmente afinada com o dragão continental, que, em última instância, tem a força na região. “Uma política de tolerância zero é o único remédio para o comportamento tão destrutivo que vemos. Sem ela, estaremos abrindo uma caixa de Pandora e aumentando a desordem social”, diz um editorial do jornal Global Times, porta-voz do governo, na mais dura exortação de Pequim contra as manifestações. As autoridades do continente chamaram os invasores do Conselho de “extremistas radicais”, prometendo uma investigação criminal. Lawrence Reardon, especialista em assuntos chineses na Universidade de New Hampshire, nos Estados Unidos, prevê que os protestos em Hong Kong vão prosseguir até o projeto de lei ser anulado e, em seguida, Carrie Lam deve perder seu posto. “Nesse caso, é alto o risco de Pequim colocar no lugar alguém mais repressor ainda”, avalia.

    A imagem de violência que Hong Kong vem ganhando é motivo de enorme preocupação para a China, porque arranha sua reputação de uma das mais prósperas comunidades internacionais, analisa o pesquisador Stanley Rosen, da Universidade do Sul da Califórnia. Hong Kong é um relevante polo econômico asiático, com produto interno bruto por habitante superior a 170 000 reais. Dados do Departamento de Censo e Estatística de 2018 mostram que cerca de 1 500 multinacionais têm sede na ilha. A situação atual sinaliza uma instabilidade altamente indesejável — “A China não quer ver empresas migrando para Singapura”, diz Rosen. Sem solução à vista, o embate de Davi contra Golias segue em frente.

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    Publicado em VEJA de 10 de julho de 2019, edição nº 2642

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