A saída abrupta da China da política de Covid Zero, que reinou sobre o país desde o início da pandemia, em 2020, pode levar a quase 1 milhão de mortes, de acordo com um estudo da Universidade de Hong Kong divulgado pela mídia nesta segunda-feira, 19. Segundo projeções, os chineses vão passar por uma onda sem precedentes de infecções que se espalha de suas maiores cidades para suas vastas áreas rurais.
Por quase três anos, o governo chinês usou bloqueios rígidos, quarentenas centralizadas, testes em massa e rastreamento rigoroso de contatos para conter a propagação do vírus. Essa estratégia, que custou muito à economia do país e afetou cadeias de produção no mundo todo, foi abandonada no início deste mês, após uma onda de protestos em toda a China.
No entanto, especialistas alertaram que o país está mal preparado para uma flexibilização tão drástica, pois não conseguiu aumentar a taxa de vacinação entre idosos, elevar a capacidade de terapia intensiva em hospitais e estocar medicamentos antivirais.
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Nas condições atuais, segundo projeções de três professores da Universidade de Hong Kong, uma reabertura em todo o país pode resultar em até 684 mortes por milhão de pessoas. Dada a população da China de 1,4 bilhão de pessoas, isso representaria 964,4 mil mortes.
O surto de infecções “provavelmente sobrecarregaria muitos sistemas de saúde locais em todo o país”, disse o estudo financiado pelo Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e o governo de Hong Kong. O texto foi publicado na semana passada no servidor de pré-impressão do Medrxiv e ainda não foi submetido à revisão por pares.
Além disso, os especialistas afirmam que o fim simultâneo das restrições em todas as províncias chineses aumentaria a demanda de hospitalização em até 2,5 vezes mais que a capacidade hospitalar.
O cenário sombrio, contudo, pode ser evitado se a China iniciar rapidamente uma campanha de doses de reforço e aumentar o estoque medicamentos antivirais, segundo o estudo. Se a cobertura vacinal da quarta dose chegar a 85% da população e houver medicamentos disponíveis para 60% dos chineses, o número de mortes pode ser reduzido de 26% a 35%.
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A onda atual
Nesta segunda-feira, autoridades de saúde chinesas anunciaram duas mortes por Covid-19, ambas na capital Pequim, que enfrenta seu pior surto desde o início da pandemia. Essas foram as primeiras mortes oficialmente relatadas desde o fim da política de Covid Zero, em 7 de dezembro, embora postagens em redes sociais chinesas apontem para um aumento drástico na demanda de funerárias e crematórios de Pequim.
No Baidu, principal mecanismo de busca online da China, buscas pelo termo “casas funerárias” em Pequim também atingiram um recorde desde o início da pandemia.
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Outras grandes cidades estão enfrentando um aumento semelhante nas infecções. No centro financeiro de Xangai, a maioria das escolas voltaram a ter aulas online a partir de segunda-feira. Na metrópole de Guangzhou, no sul do país, as autoridades disseram aos alunos que já estão tendo aulas online para não se prepararem para o retorno à sala de aula.
Na megacidade de Chongqing, no sudoeste, autoridades anunciaram no domingo 18 que funcionários do setor público infectados pelo coronavírus podem trabalhar “normalmente” – uma reviravolta notável para uma cidade que apenas algumas semanas atrás estava no meio de um lockdown em massa.
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O pior está por vir
Contudo, é difícil julgar a verdadeira escala do surto pelos números oficiais. A China parou de relatar casos assintomáticos na semana passada, admitindo que não era mais possível rastrear o número real de infecções. Além disso, cidades não estão mais fazendo testes em massa e passaram a permitir que as pessoas façam testes e se isolem em casa, o que significa que também não são contabilizadas.
Especialistas chineses alertaram que o pior ainda está por vir. Wu Zunyou, epidemiologista-chefe do CDC chinês, disse que o país está passando apenas pela primeira das três ondas de infecções esperadas no inverno do hemisfério norte.
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Segundo sua fala em uma conferência em Pequim no sábado 17, a onda atual deve durar até meados de janeiro. A segunda deve ocorrer entre o final de janeiro a meados de fevereiro do próximo ano, desencadeada pelas milhares de viagens antes do feriado do Ano Novo Lunar, que cai em 21 de janeiro – conhecida como a maior migração humana anual na Terra.
Por três anos consecutivos, as comemorações do Ano Novo Lunar foram desencorajadas pelas autoridades sob a política de Covid Zero. Especialistas alertam que, com o fim das restrições de viagens domésticas, o vírus pode se espalhar pelo interior da China, onde as taxas de vacinação são mais baixas e faltam recursos médicos.
Uma terceira onda de casos ocorreria do final de fevereiro a meados de março, quando as pessoas voltassem ao trabalho após o feriado de uma semana, disse Wu.