As cidades que procuram por imigrantes — há caso até de mesada
Cidades que estão penando com a queda da natalidade e o consequente encolhimento da população lançam políticas para atrair gente de fora
É conhecida na Itália a brincadeira sobre uma de suas mais acanhadas regiões, Molise, um naco do território ao sul que tem o privilégio de ser emoldurado por montanhas e banhado pelo Mar Adriático. “Molise não existe”, cutucam os italianos que não são de lá a propósito da situação demográfica da província: ela é um vazio de gente. Dos 136 vilarejos enfileirados na bucólica paisagem tomada de casebres, com um castelinho aqui, uma pista de esqui acolá, 106 contabilizam menos de 2 000 habitantes. Para evitar que a região vire terra de ninguém, literalmente, o governo lançou uma campanha para atrair moradores. Vai pagar 700 euros (em torno de 3 500 reais) por mês durante três anos a quem quiser fincar residência nesse lugar que não perde a pose. “Molise existe e resiste”, agora alardeiam os locais. E, sim, brasileiros, desde que se encaixem nos pré-requisitos, sobretudo o de terem cidadania europeia, podem se fixar em uma das ruelas e tentar vida mais pacata. “Pessoas de várias nacionalidades se interessaram, inclusive do Brasil”, conta o governador Donato Toma.
Em todo o Velho Continente, nenhum país viu o número de bebês encolher tanto quanto a Itália: a média atual é de 1,32 filho por mulher, fração que ganha contornos mais compreensíveis quando se sabe que, para que uma população não seja reduzida, cada casal precisa gerar pelo menos dois filhos. Essa é a chamada taxa de reposição, ou seja, o necessário para o contingente de um país manter-se estável. Foi-se o tempo em que a Europa era embalada por elevados níveis de natalidade. “Nos últimos cinquenta anos, a baixa fertilidade levou a uma importante queda populacional”, afirma Jesus Crespo, diretor de análise econômica do Centro Wittgenstein de Demografia, na Áustria.
Desde o século XIV, quando a peste negra matou em massa no continente, as populações só vinham aumentando em todo o mundo, em um ritmo bastante acelerado. Para se ter uma dimensão da disparada, pessoas atualmente na faixa dos 80 anos viram a população mundial triplicar, até alcançar os atuais 7 bilhões. Em certas partes do globo, como a África, os índices de natalidade ainda fazem os números inflar. Mas, nas nações desenvolvidas, a situação é de um drástico encolhimento, fenômeno que vai se agravar sob o impulso de um balaio demográfico que inclui casamentos tardios, maior escolaridade, alto custo na criação de filhos e o ainda crescente ingresso das mulheres no mercado de trabalho. No Brasil, a previsão é de declínio populacional em três décadas e também de cada vez menos bebês.
Na Europa, as cidades mais esvaziadas estão situadas em zonas rurais, onde o êxodo de jovens se impõe. “Essa debandada ocorre há décadas nessas áreas, mas seus efeitos vêm sendo enfatizados pela baixa migração para lá, já que não há nada que movimente a economia”, observa George Leeson, diretor do Instituto de Envelhecimento Populacional da Universidade de Oxford. Por isso as políticas de atração de gente envolvem muitas vezes a exigência de montar um negócio próprio, como em Molise e na comuna de Albinen, encravada na porção de língua alemã da Suíça. Em 2017, o governo local anunciou que daria o equivalente a cerca de 100 000 reais a solteiros e 200 000 reais a casais dispostos a viver em meio às montanhas. Condição: investir algo como 800 000 reais na região e fincar base naquelas bandas por pelo menos uma década. Está funcionando.
Um dos países que penam com a queda da natalidade é Portugal, entre os destinos que mais interessam aos brasileiros pelo idioma e pela proximidade cultural. O “visto dourado”, concedido a cidadãos de fora da União Europeia, dá direito à almejada cidadania portuguesa em troca de o recém-chegado fazer girar as finanças: ou bem investe cerca de 2,5 milhões de reais em uma propriedade, ou cria dez vagas de emprego no país. Mas a peneira está se estreitando. O número de recusas de visto a brasileiros dobrou de 2017 para 2018. O que mais pesa na aceitação do imigrante — e isso vale como verdade universal — é a compreensão do que ele vai somar à economia. Do outro lado do Atlântico, o Canadá acompanha essa mesma lógica. Conhecido por programas que incentivam a vinda de pessoas para ocupar as vastas porções despovoadas de seu território, o país agora está apostando alto para preencher o vazio de províncias rurais de exuberante beleza, como Saskatchewan, tomada de lagos de cartão-postal. Quem cursar graduação ou pós-graduação naquelas paragens poderá receber até 20 000 reais por mês do governo.
Com os ventos da demografia derrubando as taxas de natalidade, iniciativas pró-imigração estão se disseminando mesmo em nações em que a xenofobia vem sendo assustadoramente cultivada — como a própria Itália. “A região de Molise, ao sul, está distante do norte, que é notoriamente mais refratário à imigração”, pontua o demógrafo José Eustáquio, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE. Para que essas políticas façam mesmo a diferença, elas precisam verdadeiramente abrir às pessoas janelas de oportunidades palpáveis. “Do contrário, o imigrante vem, experimenta, mas não permanece”, pondera Leeson, da Universidade de Oxford. Há cinco anos, o ítalo-americano Robert Pardi deixou o frenesi do dia a dia de investidor em Nova York para testar a existência à beira do Adriático, em Molise. Aprovou e não planeja outro modo de vida. “Desacelerei o ritmo e encontrei a paz ao aprender a desfrutar as coisas simples”, comemora Pardi. Para ele, Molise existe e resiste.
Publicado em VEJA de 25 de setembro de 2019, edição nº 2653