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Com crescimento menos expressivo, China se volta para dentro de casa

A guerra tarifária com os Estados Unidos não explica por si só os problemas econômicos de Pequim, entre os quais está a imensa dívida interna do país

Por Katia Mello
Atualizado em 30 jul 2020, 19h42 - Publicado em 19 jul 2019, 19h21

A menor expensão no Produto Interno Bruto (PIB) chinês nas últimas três décadas, de 6,2% no segundo trimestre, vai muito além do impacto da guerra comercial travada entre Washington e Pequim. É preciso dissipar as conclusões simplistas e apressadas para adotar um olhar mais acurado sobre o que se passa internamente na China.

O país asiático segue como o principal parceiro dos Estados Unidos, com alta de 7% nas suas exportações em 2018. Com uma relação interdependente entre as duas nações, traçada nos últimos 40 anos, obviamente, a batalha comercial trouxe impactos tanto para os Estados Unidos quanto para a China, com a imposição de seguidas taxas por parte dos dois países. No primeiro trimestre deste ano, por exemplo, os fluxos comerciais caíram em 9%. Apenas em junho passado, as exportações chinesas para os Estados Unidos caíram 1,3%, e as importações, 7,3%, em relação ao mesmo período de 2018.

Politicamente, assim como o presidente americano, Donald Trump, utiliza a batalha comercial para ganhar louros de seus fieis seguidores e futuros votantes, o durão Xi Jinping, que não precisa enfrentar eleições domésticas, também com estilo autoritário, se utiliza da mesma tática para acentuar o espírito nacionalista chinês, adotando uma maior interferência governamental nas empresas chinesas do que as administrações anteriores.

Analistas saíram logo fazendo comparações entre o embate das duas potências mundiais com a guerra travada entre os Estados Unidos e o Japão na década de 1980, quando se previa que o país asiático iria ultrapassar a economia americana. Na época, a balança comercial também pendia negativamente para Washington, que adotou estratégias contra o Japão semelhantes às agora impostas por Trump aos chineses.

Porém, o cenário é outro. A China é hoje a segunda maior potência do planeta, ultrapassando o Japão e a Alemanha; é a gigante em inovação tecnológica e ainda acumula enormes reservas internacionais. Além disso, com poderosíssimo arsenal, modernizou suas Forças Armadas, com capacidade para confrontar o poderio militar americano no Pacífico.

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Doca de contêineres do Porto de Yangshan, na China (Chinatopix via AP, File)
Doca de contêineres do Porto de Yangshan, na China: recuo de 9% no intercâmbio sino-americano de janeiro a março (AP/Divulgação)

Em seu processo de expansão econômica, a China, ao contrário do Japão, estabeleceu ainda inúmeros parceiros comerciais e tornou-se tão relevante que cada movimento em sua bolsa de valores tem efeito dominó nas transações comerciais planetárias. Tanto é que a posição americana de confronto com os chineses desagrada a todos, inclusive às próprias companhias americanas que reclamam do alto custo tarifário a ser pago por elas, demonstrado nos índices da balança comercial.

No ano passado, os Estados Unidos importaram 300 bilhões de dólares em semicondutores da China, mais do que gastou na compra de petróleo, cerca de 239 bilhões de dólares. A briga descontenta não só as empresas americanas, como Amazon, Apple, Microsoft, que dependem dos chineses, como também os investidores europeus. A Alemanha, que é a maior economia da Europa, sofreu uma contração em sua produção industrial de 1,9% no mês de abril, contra os 0,5% previstos, devido ao turbilhão comercial.

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Em termos populacionais a China também é muito maior que o Japão. Com o desenvolvimento econômico nas últimas décadas, o governo chinês tirou 800 milhões de pessoas da miséria, que passaram a fazer parte da vasta faixa de consumidores de classe média. Apesar dessa importante ascensão, a China vem tentando nos últimos anos sufocar sua dívida interna (governamental, corporativa e familiar), de nada menos que 300% de seu PIB, decorrente de um pacote de estímulo deflagrado após a crise mundial de 2008.

“A dívida pública chinesa é três vezes que o PIB do país e o dobro da registrada em plena crise de 2008. E pior: está crescendo rapidamente, com alerta vermelho já feito pelo Fundo Monetário Internacional (FMI)”, disse a VEJA Elizabeth Economy, do Council on Foreign Relations, sediado em Washington. O alerta não é à toa: a dívida chinesa corresponde a nada menos do que 15% do total da dívida mundial, segundo dados recém-divulgados pelo Instituto Internacional de Finanças (IIF).

Imóvel caro, consumo em baixa

Para se entender como a economia chinesa vem derrapando, há dez anos ela era impulsionada por exportações e investimentos em infraestrutura e habitação. O resultado foi uma grande bolha no mercado imobiliário e o consequente encarecimento dos preços dos imóveis. A Universidade de Pequim aponta que 80% das riquezas dos chineses – cerca de 65 trilhões de dólares – estão concentradas em imóveis.

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A crise imobiliária é dramática: as vendas em 24 cidades monitoradas pelo índice China Real Estate Index System despencaram 44% na primeira semana de 2019, em comparação ao ano anterior, mesmo com aumento de 12% nas megalópoles Xangai, Shenzhen, Cantão e Pequim.

“Hoje, os jovens não conseguem mais comprar casas. Os investimentos em imóveis provocaram enormes dívidas em razão dos empréstimos que causam sérios riscos à economia chinesa. E claro, a consequência foi a desaceleração do consumo”, disse a VEJA William Yu, especialista em economia chinesa da Universidade da Califórnia.

Outro fator relevante que afetou o crescimento chinês é o fato de a China estar em plena transição de modelo econômico – antes sustentado por investimentos públicos e exportações, nos últimos dez anos passou gradualmente a basear-se no consumo interno. Com as incertezas causadas pela guerra comercial, criou-se um ambiente de desconfiança entre os consumidores chineses, que puxaram o freio nas compras, retraindo o consumo interno. Os chineses também viram sua renda familiar despencar. Na década de 1980, as famílias recebiam 75% sobre o valor que produziam; hoje, esse índice corresponde a 50%, reforçando a inibição das compras.

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E o que fez o governo chinês até agora? Brecou esse modelo de transição baseado em consumo e apertou o cinto do sistema financeiro, reduzindo os empréstimos bancários e reprimindo os empréstimos não regulamentados, também conhecidos como serviços bancários paralelos. Mas os esforços não foram suficientes.

Após o anúncio do crescimento de 6,2% no PIB do último trimestre e sem previsões de fechar em curto prazo um acordo comercial com os Estados Unidos, Pequim se viu obrigado a oferecer uma solução. Na segunda-feira 15, o governo chinês anunciou um pacote de novas reformas, com o objetivo de amenizar o tratamento preferencial destinado às estatais em detrimento das empresas privadas, embora o último grupo contribua com mais de 60% do PIB chinês e mais de 80% dos novos empregos urbanos.

Entre as medidas estão a maior abertura no número de setores para os investimentos estrangeiros, o fim dos subsídios para as estatais que não se sustentam sem aportes governamentais e um novo plano de falência. Vai dar certo? O esforço chinês de acertar os trilhos de sua economia é fundamental, mas pode ser em vão se Pequim não fechar o esperado acordo comercial com o governo Trump.

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