Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

Como Filipe Martins virou um dos conselheiros mais próximos do presidente

Da sala 315 do Palácio do Planalto, ele toca a agenda internacional e mantém viva a cruzada conservadora nas fileiras do bolsonarismo

Por Denise Chrispim Marin Atualizado em 4 jun 2024, 15h15 - Publicado em 1 nov 2019, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • A poucos metros do gabinete de Jair Bolsonaro, no 3º andar do Palácio do Planalto, a sala 315 abriga o codinome “Gabinete do Ódio” — oficialmente, Assessoria Especial. Ali opera o chefe adjunto Filipe Martins, de 31 anos, contratado para o aconselhamento do chefe de Estado sobre temas internacionais e hoje um dos mais influentes do grupo que gravita em torno do presidente. Graças à sua teia de relações com blogueiros, youtubers e editores de site prontos para o tiroteio nas redes sociais, ele cumpre a função extra de manter viva a cruzada conservadora entre a militância de extrema direita. Outros ocupantes da sala contribuem para coordenar as avalanches de ataques aos inimigos da causa — trabalho investigado na CPMI das Fake News, para a qual Martins já foi convocado. “É quase uma seita de fanáticos”, diz um observador.

    Em dez meses, Martins tocou a agenda internacional na linha do confronto. O polêmico discurso de Bolsonaro na Assembleia-Geral das Nações Unidas, em setembro, trouxe sua indelével assinatura. A frase de abertura (“Apresento aos senhores um novo Brasil, que ressurge depois de estar à beira do socialismo”) e a do final (“Esta não é a Organização do Interesse Global”) saíram de sua cabeça. Partiu dele também o conselho a Bolsonaro para ir cortar o cabelo e postar um vídeo no Facebook em vez de receber o chanceler da França, Jean-Yves Le Drian, no auge da crise entre Brasília e Paris por causa das críticas às queimadas na Amazônia. A exemplo de seus antecessores, Martins acompanha o presidente no exterior, como na recente jornada por Japão, China, Catar, Emirados Árabes e Arábia Saudita. Na escala em Abu Dhabi, sua influência avessa à moderação foi notada na reação presidencial ao anúncio da vitória do peronista Alberto Fernández na eleição presidencial. “A Argentina escolheu mal”, disse Bolsonaro.

    Filipe Martins e Mohamed Bin Rashed Al Maktoum
    FORÇA – Na viagem: influência na reação oficial à vitória peronista na Argentina (Clauber Cleber Caetano/PR)

    Graças a seu poder no Planalto, Martins desfruta a conivência total — se não obediência — do chanceler Ernesto Araújo. É chamado de “professor” por esse diplomata com 28 anos de carreira, que não teria se sentado na cadeira do Barão do Rio Branco sem o aval do assessor. “Filipe Martins é um homem de fé e dedicação sem par”, elogiou o ministro no Twitter. Diplomado em relações internacionais pela Universidade de Brasília há quatro anos, o “professor” só deu aulas em um curso de preparação para o exame do Itamaraty. “Este aqui é o meu mentor”, resumiu o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) a VEJA no mês passado, durante o CPAC Brasil, conferência de ultraconservadores criada nos Estados Unidos e que alcançou o país, por esforço de ambos.

    O Twitter é a principal caixa de reverberação dos ideais de Martins, com 176 500 seguidores. Em sua lógica maniqueísta, de um lado está o establishment, a ser combatido — são todos os que reportam e analisam fatos e os que fazem críticas, se opõem ou não dão a mínima a seus ideais de extrema direita. Nesse pacote estão incluídos o globalismo, o politicamente correto, o marxismo, o aquecimento climático, os direitos humanos, a diversidade de gênero, a legalização do aborto, o feminismo, a agenda LGBT. De outro está o ultraconservadorismo capaz de salvar o mundo ocidental. A visão do assessor agrada a Bolsonaro e a seus filhos. “O establishment quer transformar Jair Bolsonaro em bicho-papão, quer destruir os olavetes jacobinos, os que falam e defendem a população”, disse no CPAC, em São Paulo.

    Continua após a publicidade
    ELEIÇÕES - General que rompeu com o bolsonarismo pode se lançar candidato a deputado pelo Podemos
    GANGUE DIGITAL – General Santos Cruz: trombada com “Robespirralho” e demissão (Cristiano Mariz/VEJA)

    De origem humilde, Martins iniciou-se na seara político-ideológica na adolescência em Votorantim, na Grande Sorocaba (SP), onde nasceu, filho único do operário goiano Carlos Pereira e de Claudilene Garcia Martins. A família havia passado um ano e meio em Porto Elizabeth, na África do Sul, onde ele aprendeu a língua africâner. Martins era ateu, orientação que reverteu anos depois ao engajar-se em um credo pentecostal. Pela internet, descobriu o escritor Nelson Rodrigues, ainda hoje seu favorito pela “abordagem brasileira do pecado”. No falecido Orkut, conectou-se nessa época com a patota contrariada com o pensamento de esquerda e chegou ao escritor Olavo de Carvalho, a quem enviou, em 2006, um e-mail no qual mencionava interesse em estudar pela sua cartilha. Os dois passaram a conversar por telefone. Três anos depois, Martins fez os cursos on-line de Carvalho e tornou-se clone do “bruxo da Virgínia” no Brasil.

    O salto para o Planalto se deu pelo contato triangulado com Eduardo Bolsonaro e Olavo. Martins aproximou-se da família do capitão, tornou-se assessor da área externa do PSL e fez previsões de vitória eleitoral ainda no começo de 2018. Depois, conectou-se com o xamã do populismo de direita, Steve Bannon, que agora atua na campanha de reeleição do americano Donald Trump, e arrastou Eduardo Bolsonaro consigo. Com a iniciativa, atrelou a família presidencial ao The Movement, projeto de Bannon que visa a promover a agenda nacionalista e ultraconservadora na Europa e em outros cantos. Para Martins, a glória foi conversar olho no olho com Trump no Salão Oval, sentado relaxadamente, enquanto o próprio Zero Três e o secretário de Estado, Mike Pompeo, o observavam. “Eu admiro muito o presidente Trump”, declarou, também na CPAC.

    Continua após a publicidade
    Filipe Martins com Donald Trump
    OLHOS NOS OLHOS – No Salão Oval: conforto para falar com Donald Trump (Reprodução/Instagram)

    À medida que ampliou sua sintonia com os Bolsonaro, o solteirão se cacifou como príncipe encantado das donzelas olavetes. Na CPAC, sua cara de bom moço atraiu dezenas de fãs. Pacientemente, não negou nenhuma selfie. Sua ascensão, porém, alonga a lista de inimigos em Brasília. Desafetos o chamam, pelas costas, de “Jacobino do Planalto”, “Robespirralho” — referência a Robespierre, líder da Revolução Francesa que acabou guilhotinado — e “Sorocabannon”, referência a Bannon. O general Santos Cruz, quando ainda era secretário de Governo, foi o primeiro a trombar com Martins, por causa do fanatismo ideológico, do currículo pobre e do topete de opinar sobre tudo. A intromissão do assessor na Secretaria de Comunicação e na Agência Brasileira de Promoção de Exportações (Apex), que não lhe diziam respeito, e os tumultos causados pela “gangue digital” foram o estopim. Santos Cruz foi a Bolsonaro e pediu a cabeça do assessor. “O Itamaraty tem 1 500 diplomatas mais experientes e preparados para assessorá-lo”, argumentou. Acabou demitido em junho. A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) foi alvo de ataques pessoais de Martins ao apoiar o colega Delegado Waldir (PSL-GO) para a liderança do partido na Câmara em vez de Eduardo Bolsonaro. O assessor atreveu-se ainda a confrontar e insultar o vice-presidente Hamilton Mourão por sua visão mais pragmática e seu respeito à imprensa. “Não espero a ingenuidade de um general. A mídia é inimiga e, se ele não sabe disso, é melhor ir para o clube militar fazer churrasco”, postou no Twitter em agosto. O general preferiu não pôr lenha na fogueira.

    De sua trincheira, Martins mostrou-­se generoso com outros condenados à guilhotina. Bruna Becker, sua ex-namorada, sobreviveu ao expurgo no alto escalão do Ministério da Educação, apesar de ter organizado o motim contra o então ministro Vélez Rodríguez. O assessor também ajudou quanto pôde na preservação de Leticia Catel, amiga de Eduardo Bolsonaro e de Ernesto Araújo, como gerente de negócios da Apex, até que a mudança total da cúpula da agência a impediu também de ingressar no prédio. Outro resgatado por Martins foi o diplomata Henri Carrières, que havia trabalhado na Assessoria Internacional no governo de Michel Temer e acabara na lista de “petistas” do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Genro de Olavo de Carvalho, Carrières ficou na equipe de Martins, em que a regra é: para os amigos, tudo.

    Continua após a publicidade
    Filipe Martins com Olavo de Carvalho
    AO MESTRE, COM CARINHO – Olavo de Carvalho e o discípulo: clone no Brasil (Reprodução/Instagram)

    Publicado em VEJA de 6 de novembro de 2019, edição nº 2659

    Publicidade

    Publicidade
    Imagem do bloco

    4 Colunas 2 Conteúdo para assinantes

    Vejinhas Conteúdo para assinantes

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

    a partir de 39,96/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.