Na maior central de trens da Europa, um viajante alerta um policial: viu um homem suspeito carregando uma faca. Eles saem em busca do suspeito, um malinês de 20 anos, que é preso sem oferecer maior resistência. A intervenção, no entanto, é o suficiente para despertar uma onda de pânico que levou à evacuação da Gare du Nord, em Paris, na tarde deste sábado, e à interrupção das linhas que partem para Inglaterra, Alemanha e Bélgica.
“Foi bem na nossa frente. Abandonamos o balcão e saímos correndo para fora da estação”, relatou à VEJA a atendente de um quiosque de alimentação posicionado diante da plataforma do Eurostar, trem que liga Paris a Londres. “Estou neste emprego na Gare du Nord há oito meses e já vi sete episódios de abordagem como esta”, relata a vendedora.
Mas o pânico da multidão verificado desta vez ilustra o clima de tensão que perpassa cada esquina da capital francesa na véspera da eleição presidencial deste domingo e dois dias depois do atentado contra as forças policiais na Avenida Champs-Élysées. O medo de um novo ataque terrorista durante a votação é a consequência mais visível do episódio de quinta-feira. Já a consequência política poucos analistas se arriscam a prever. Para uns, Le Pen seria a candidata mais favorecida e quem melhor reagiu ao atentado na rua mais famosa da França.
O ministro do Interior, Matthias Fekl, anunciou neste fim de semana a mobilização de 50 000 policiais para garantir a segurança de 67 000 seções eleitorais, mas a verdade é que antes mesmo do ataque à Champs-Élysées o governo francês já lidava com o risco iminente de incidentes durante a votação. Um relatório interno da Direção Central de Segurança Pública (DCSP) vazado para a imprensa descreve as principais ameaças identificadas pelo órgão. Em primeiro lugar na lista, a “ameaça jihadista constante e iminente”.
O documento define como “indispensável a presença policial durante a abertura das seções”. Também recomenda a presença de efetivos armados nas prefeituras e outros locais que devem concentrar as urnas durante a contagem dos votos, a partir das 19h de domingo.
Le Pen fortalecida?
Em segundo lugar no relatório confidencial como possível ameaça à ordem no dia da eleição está a possibilidade de vitória de “partidos políticos extremistas” – uma referência a Marine Le Pen e Jean-Luc Mélenchon. O DCSP teme que manifestações organizadas por radicais de direita e esquerda após a votação representem “abalo à ordem pública”.
A consequência política mais óbvia do atentado no coração da capital francesa poderia ser o fortalecimento do discurso securitário de Marine Le Pen e François Fillon – este que fez da expressão “totalitarismo islâmico” um mantra repetido a cada intervenção pública, comício ou entrevista. De fato, o episódio na reta final dá fôlego à retórica da direita francesa, que sofreu com uma eleição em que o terrorismo não esteve no centro das discussões.
Mas o histórico recente da relação entre ataques terroristas e resultados eleitorais não permite estabelecer uma relação direta entre as duas coisas. Os sete assassinatos cometidos por Mohammed Merah em plena campanha eleitoral de 2012 não favoreceu Le Pen e nem impediu a esquerda de voltar ao poder na França através de François Hollande, assim como os ataques de novembro de 2015 – entre eles a matança na boate Bataclan – não tiveram maior impacto nas eleições regionais que vieram apenas um mês depois.
“Infelizmente, as pessoas se acostumaram com os atentados”, afirmou Emanuel Rivière, diretor do instituto de pesquisa Kantar Sofre em entrevista ao canal de TV LCI. “Elas sabem que os terroristas podem atacar a qualquer momento. De certa maneira, elas já esperam por isso. Não garanto que o ataque da Champs-Élysées não terá impacto sobre o voto, mas por enquanto não temos dados para afirmar isso”, completou.