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Como os EUA conseguiram, em 17 meses, destroçar a economia do Irã

Sanções americanas atingem mais de 1.000 entidades e autoridades e provocam queda de 9,7% no PIB persa em dois anos

Por Caio Mattos
Atualizado em 17 jan 2020, 08h00 - Publicado em 17 jan 2020, 07h00

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou na sexta-feira 10 decreto para impor novas sanções contra o Irã. Desta vez sobre os setores de construção, mineração, metalurgia, manufatureiro e têxtil, como reprovação ao ataque persa às bases militares ocupadas por soldados americanos no Iraque dois dias antes. Nos últimos 17 meses, Trump assinou quatro decretos que provocaram queda de mais de 85% das exportações do Irã, em especial de petróleo bruto, o principal pilar produtivo do país, e derrubaram a economia iraniana. Há dois anos em recessão, o Produto Interno Bruto do país encolheu 9,7% desde 2017 e a inflação disparou a 35% ao ano, levando milhares de manifestantes pelas ruas para pedir melhores condições de vida.

Mais de 800 entidades e 250 iranianos são alvos de sanções americanas. A maior parte desse universo está conectado diretamente aos principais setores da economia iraniana: além dos mais recentes, o petroleiro, construção construção naval, portuário e marinha mercante. Entre as autoridades sancionadas estão o aiatolá Ali Khamenei e seus mais importantes colaboradores. No início de janeiro, o ministro das Relações Exteriores, Javad Zarif, foi impedido de participar de uma reunião nas Nações Unidas porque não recebeu o visto dos Estados Unidos em seu passaporte diplomático. Zarif está nessa lista negra do Departamento do Tesouro, na qual não figura o nome do presidente do Irã, Hassan Rouhani, eleito democraticamente em 2013. Consultado, o Tesouro americano não respondeu.

Dentre os quatro pacotes de sanções assinados por Trump, o primeiro e mais extenso foi adotado em agosto de 2018, como consequência da saída dos Estados Unidos do acordo nuclear do Irã com seis potências nucleares. Firmado três anos antes, esse pacto limitava a capacidade de enriquecimento de urânio em troca do fim das restrições sobre a economia iraniana. Ao retirar-se, Washington  restabeleceu todas as sanções suspensas desde 2015 e atingiu, de uma só vez, mais de 700 entidades iranianas, o Banco Central e o setor energético do Irã, em especial a estatal Companhia Nacional de Petróleo Iraniano.

Queda no PIB

O restabelecimento das sanções em 2018 teve “papel fundamental” na contração do PIB iraniano, afirma Muhammad Sahimi, da Universidade da Califórnia do Sul. Entre 2017 e 2019, a atividade econômica do país recuou 9,7%, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). Para o ano passado, a estimativa é de queda de 6,0% e, para 2020, o Fundo previa crescimento positivo de 0,2% antes do conflito com os Estados Unidos no início de janeiro.  

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“As exportações de petróleo do Irã foram drasticamente reduzidas, e houve uma grande saída de capital do país”, explica Sahimi.

Segundo o Observatório de Complexidade Econômica, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), o petróleo bruto foi responsável por mais de 70% das exportações iranianas em 2017 e, com base em dado da Central de Inteligência Americana, por mais de 18% do PIB do país naquele ano. No início de 2018, antes do restabelecimento das sanções, o Irã exportava cerca de 2,3 bilhões de barris por dia, afirma a emissora britânica BBC. Em outubro de 2019, os embarques somaram apenas 260.000 barris de petróleo por dia, em média, segundo a agência Bloomberg.

As dificuldades para o Irã tornaram-se mais evidentes em novembro de 2018 quando a Europa, o Japão e a Coreia do Sul pararam de importar petróleo bruto iraniano por temor de sofrerem retaliações dos Estados Unidos. Com essas decisões, o Irã perdeu 50% de seu mercado comprador. A China e a Índia, que representavam o restante 50%, continuaram a comprar a commodity iraniana, com isenção das sanções, até maio de 2019.

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Em dezembro do mesmo ano, o enviado especial dos Estados Unidos para o Irã, Brian Hook, disse que o governo iraniano teria acesso a apenas 10% dos 100 bilhões de dólares de suas reservas internacionais por causa da queda das exportações e do isolamento financeiro imposto pelas sanções. A situação, no mercado doméstico, significou mais dificuldades para o Banco Central iraniano conter a inflação em escalada. Segundo o FMI, a inflação no Irã decolou de 9,6%, em 2017, para 30% no ano seguinte. O Fundo estimou expansão de 35% nos preços ao consumidor para 2019.

Gasolina na fogueira

MULHER-IRAN
Camelôs nas ruas de Teerã: preços 35% mais salgados em 2019 e consumo em baixa (Fatemeh Bahrami/Anadolu Agency/Getty Images)

As sanções sobre o setor petroleiro não apenas reduziram a produção e a exportação do produto como tiveram outro impacto na economia do Irã: sem as receitas dessas atividades, o governo de Rohani se viu diante da necessidade de cortar drasticamente os gastos públicos. O subsídio ao preço da gasolina foi ceifado em novembro de 2019 e elevou em cerca de 50% o valor desembolsado nas bombas. O litro do combustível passou a custar 15,000 rials iranianos por litro – o equivalente a cerca de 1,80 real – e também foi adotada uma cota mensal de 60 litros para cada veículo. Acima desse limite, o litro da gasolina custa 30,000 rials iranianos (3,60 reais).

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A medida não caiu bem na sociedade iraniana, que enfrentava taxa de desemprego de 15,4% – 3,6 pontos porcentuais maior do que a de 2017 . Em duas semanas de protestos civis contra o fim do subsídio e a cota, mais de 208 pessoas foram mortas, 2.000 foram feridas e 7.000, detidas. O ministro do Interior, Abdolreza Rahmani Fazli, deu sua versão sobre o caráter violento das manifestações: mais de 700 bancos, 300 veículos, 180 viaturas polícias, 30 ambulâncias e 50 bases militares depredados.

Segundo o jornal The New York Times, esse foi a “mais letal inquietação popular desde a Revolução Islâmica, dos últimos 40 anos” – uma referência aos protestos massivos que derrubaram o xá Reza Pahlevi e levaram ao poder os aiatolás, em 1979. O Observatório dos Direitos Humanos (HRW) afirmou, em seu relatório divulgado na terça-feira 14, que “as autoridades iranianas reprimiram brutalmente os protestos de dimensão nacional”.

As manifestações públicas contra as políticas do governo iraniano foram revertidas em massivo apoio no conflito entre Estados Unidos e Irã que sucedeu a morte do general iraniano Qasem Soleimani em uma operação americana no Iraque, no dia 3 de janeiro. Cerca de um milhão de pessoas abarrotou as ruas de Teerã e de Kerman durante quatro dias, em apoio ao regime, até o governo assumir ter derrubado avião comercial ucraniano, matando todos os 176 passageiros a bordo, dentre eles 82 iranianos. O humor da população mudou radicalmente.

Como reportou o portal de notícias americano Business Insider, manifestantes pediram a renúncia do aiatolá Khamenei  – algo inédito nos 40 anos da República Islâmica – com algumas placas ilustradas com a frase “morte ao ditador”. Khamenei está, por enquanto, resguardado pela sua escolha por um conselho de 82 clérigos, e não pelo eleitorado de seu país. Mas ainda terá de se ver com uma economia destroçada e a resposta dos que sofrem diretamente com suas decisões políticas.

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