Como Portugal tenta impedir o êxodo de uma geração de jovens qualificados
O governo lusitano prevê no novo orçamento imposto zero ou muito baixo nos primeiros dez anos de trabalho
O grande número de cabeças grisalhas que circulam pela charmosa Rua Augusta, de Lisboa, ou pela movimentada Santa Catarina, no Porto, comprova que o envelhecimento da população, problema que assola boa parte da Europa e do mundo, é ainda mais evidente e preocupante em Portugal. Entre os integrantes da União Europeia, o país empata com a Itália no registro da maior porcentagem de idosos — quase dois para cada jovem. Piora muito a situação o fato de a maior parte dos indivíduos em idade ativa optar por tentar a vida nos países vizinhos: segundo o Observatório da Emigração, 30% dos portugueses entre 15 e 39 anos emigraram, o equivalente a cerca de 850 000 pessoas, e vivem hoje no exterior. Para tentar estancar o êxodo daquela que é considerada a geração portuguesa mais bem formada de todos os tempos, o governo do primeiro-ministro Luís Montenegro inseriu na proposta de orçamento que acaba de enviar à Assembleia da República um presente para os jovens na forma de imposto de renda zero, ou muito baixo, durante boa parte da sua vida.
A proposta do governo social-democrata, de centro-direita, amplia consideravelmente os benefícios fiscais colocados em vigor pelo gabinete socialista anterior para aqueles que estão ingressando na vida adulta, a maioria vinda de escolas e universidades públicas. Se aprovada, os descontos nos impostos passarão a durar até dez anos, em vez de cinco, serão acessíveis até os 35 anos, em vez de 26, e se aplicarão a todos e não só a quem tem formação universitária. As reduções previstas são escalonadas. Jovens que ganham até 28 000 euros por ano não pagariam nenhum imposto de renda no primeiro ano de trabalho (hoje, a carga pode passar dos 30%). Entre dois e quatro anos na ativa, o abatimento seria de 75%, passando a 50% de cinco a sete anos e 25% até o final do prazo de dez anos.
Especialistas avaliam que o esforço faz sentido. “Portugal tem investido bastante em educação, mas quem colhe os frutos são países como França e Alemanha”, diz Gonçalo Matias, diretor da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que analisa políticas públicas portuguesas. Uma das consequências dessa fuga em massa dos jovens portugueses foi a abertura do país aos imigrantes, principalmente brasileiros, que se tornaram braços e pagadores de impostos indispensáveis para o país.
Atrativos fiscais ajudam, mas não resolvem o problema. Os jovens portugueses estão indo embora porque os salários no país são baixos e o custo de moradia explodiu nos últimos anos, tanto para quem aluga quanto para quem quer comprar casa. No mercado de locação, Portugal começou 2024 com o maior aumento de aluguéis em trinta anos. No de compra e venda em Lisboa, que está no olho da crise imobiliária, os preços subiram 4,7% em abril em relação ao ano passado, quando já estavam nas alturas. Os salários, enquanto isso, sobem lentamente — o mínimo foi para 980 euros em janeiro, muito abaixo dos 2 570 de Luxemburgo (o mais alto da UE), dos 2 150 da Irlanda e dos meio defasados 1 770 da França. O ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, espera que o incentivo fiscal beneficie entre 350 000 e 400 000 pessoas e seja “uma ferramenta para se alcançar o objetivo de manter e atrair os jovens”.
As isenções certamente vão pesar no orçamento público, mas o governo avalia que vale o sacrifício. “O custo para o país de ter sua geração mais qualificada fugindo, saindo, emigrando, é incomparavelmente superior ao custo financeiro da medida”, justifica a ministra da Juventude, Margarida Balseiro Lopes. Calcula-se, de qualquer forma, que a proposta não exigirá muito das finanças portuguesas, devendo afetar entre 0,2% e 0,4% do PIB. O Parlamento tem até o final do mês para examinar e votar a questão, e a expectativa é de que seja aprovada.
Os social-democratas não têm maioria e vão precisar do apoio do Partido Socialista, mas, diante das boas perspectivas econômicas para o ano que vem — crescimento da economia de 2,1%, mais do que o dobro da projeção de 0,8% para a zona do euro, e aumento das exportações, que representam metade do PIB —, é provável que o orçamento passe. “Uma derrota iria parecer que os socialistas estão rejeitando a estabilidade por pura resistência a qualquer tipo de apoio ao governo”, diz Marina Costa Lobo, diretora do Instituto de Ciências Sociais de Lisboa. Resta ver se a promessa de imposto zero será suficiente para evitar que os jovens portugueses, repetindo os antepassados, partam em busca de novos horizontes.
Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2024, edição nº 2915