Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

Como Taiwan tenta se adaptar ao papel de foco da tensão entre EUA e China

A pequena ilha no Pacífico adquiriu nos últimos tempos a capacidade de, vira e mexe, pôr lenha na fogueira da geopolítica mundial

Por Amanda Péchy, de Taipé
Atualizado em 3 jun 2024, 16h59 - Publicado em 10 Maio 2024, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Pequena ilha no Pacífico com área pouco maior que a do estado de Alagoas, Taiwan adquiriu nos últimos tempos a capacidade de, vira e mexe, pôr lenha na fogueira da geopolítica mundial, ao emitir e refletir sinais que alimentam a feroz competição entre Estados Unidos e China pela hegemonia global. Expoente do capitalismo plantado na porta do gigante comunista desde a ascensão de Mao Tsé-tung, há 75 anos, o território desenvolveu com o tempo a habilidade de se posicionar nessa sensível corda bamba. Agora, o cenário mudou: sob o comando do todo-poderoso presidente Xi Jinping, a “reunificação” virou ponto de honra tanto para o governo de Pequim, que anuncia a intenção de estender seu domínio à ilha, quanto para Washington, que promete fazer de tudo para que isso não aconteça.

    PREPARO - Academia Kuma: Klaus (sentado, à esq.) ensina táticas de defesa
    PREPARO - Academia Kuma: Klaus (sentado, à esq.) ensina táticas de defesa (//Arquivo pessoal)

    Quem caminha pelas largas avenidas da capital, Taipé, repletas de gente, arranha-céus, templos, museus, áreas verdes e cafeterias onde se vende o típico e onipresente chá de bolhas, não percebe esse estado de tensão. Os 23 milhões de taiwaneses desfrutam dos melhores sistemas de saúde e educação públicas do mundo, de taxas de criminalidade diminutas (é o terceiro lugar mais seguro do planeta), e têm renda per capita de 34.400 dólares, mais alta do que no Japão, Portugal e Arábia Saudita. “São coisas que não teríamos sob o regime comunista chinês”, diz a arquiteta Ruby Lu Pinham, 25 anos. A pujança é consequência direta de uma peça central na disputa entre China e EUA: a indústria local de semicondutores, que responde por 15% do PIB. Espinha dorsal do mundo interconectado, esse componente, que conduz correntes elétricas na forma de microchips, está presente em todos os cantos do universo eletrônico. E Taiwan, por meio de praticamente uma única empresa, a TSMC, fabrica 60% dos semicondutores do globo e mais de 90% dos modelos mais avançados.

    Suprir as indústrias do planeta de microchips essenciais para sua existência criou uma espécie de “escudo de silício” para a pequena ilha, ao garantir aliados no caso de uma invasão chinesa. “Não é apenas problema nosso, é do mundo todo”, disse a VEJA o chanceler taiwanês Jo­seph Wu. Até algum tempo atrás, a dependência dos chips taiwaneses era bem administrada por todas as partes, mas o clima de hostilidade entre Pequim e Washington chacoalhou esse comércio — os Estados Unidos impõem crescentes taxas e sanções ao fornecimento de componentes eletrônicos à China, e Taiwan está cortando laços com seu maior cliente. O dragão asiático direcionou 50 bilhões de dólares à produção local de semicondutores, com o objetivo de atender a 70% da demanda interna até 2025. Os Estados Unidos, por sua vez, aprovaram um aporte de 53 bilhões de dólares para impulsionar a proliferação de fábricas de chip em seu entorno — a própria TSMC está erguendo uma megaplanta no estado do Arizona. “As restrições fizeram Taiwan se afastar dos chineses”, diz Scott Kennedy, pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. No primeiro trimestre deste ano, Washington desbancou Pequim pela primeira vez como principal destino das exportações da ilha, com compras no valor de 26 bilhões de dólares.

    PREOCUPAÇÃO - O ex-preso político Fred Chin: contra as ditaduras
    PREOCUPAÇÃO - O ex-preso político Fred Chin: contra as ditaduras (Amanda Péchy/VEJA)
    Continua após a publicidade

    Essa mudança de rota comercial na direção dos Estados Unidos se acelerou nos últimos anos, depois que Xi passou a definir a retomada do controle da ilha como “inevitável”. No mesmo período, o número de aviões de guerra chineses que cruzaram a linha divisória não oficial do Estreito de Taiwan quase duplicou, para mais de 1.700. Em paralelo às ameaças, a China ampliou seu Exército a um ritmo alarmante. O país hoje possui a maior Marinha do mundo, com uma força projetada de 400 navios até 2025 (os Estados Unidos têm menos de 300, Taiwan apenas 26), e o arsenal nuclear está se expandindo. “Pequim endurece enquanto Taiwan tenta manter o status quo, a sua existência democrática ambígua”, diz Chin-fu Hung, professor de política da Universidade Nacional Cheng Kung, em Taipé. Até o presidente eleito William Lai, de feroz discurso anti-China, promete evitar mudanças quando assumir o cargo no dia 20.

    LIDERANÇA - Fábrica da TSMC: fornecedora da maior parte dos chips consumidos no mundo
    LIDERANÇA - Fábrica da TSMC: fornecedora da maior parte dos chips consumidos no mundo (TSMC/Divulgação)

    Rebatendo as ameaças de Xi, o presidente Joe Biden já declarou em quatro ocasiões, sem meios-termos, que enviaria soldados americanos para defender Taiwan de uma invasão chinesa — embora seus assessores ressaltem que essa disposição não muda a política da Casa Branca de “ambiguidade estratégica”, pela qual admi­te que o território faz parte da China (só onze países reconhecem Taiwan independente), mas cabe ao governo americano resguardar sua democracia. “Uma invasão chinesa não é inevitável, mas nestes tempos explosivos nada é impossível”, afirmou a VEJA Drew Thompson, ex-conselheiro do Departamento de Defesa americano. A possibilidade mobiliza os taiwaneses. A invasão da Ucrânia pela Rússia, exemplo que a população teme que a China venha a seguir, impulsionou a criação da Academia Kuma, organização sem fins lucrativos que oferece treinamento militar e de defesa a civis. “É vital que as pessoas aprendam a se proteger. Precisamos nos preparar para o pior”, defende Klaus Lee, 36 anos, um dos instrutores da Kuma.

    Continua após a publicidade

    O objetivo da academia é complementar o serviço militar obrigatório, que em 2024 aumentou de quatro meses para um ano. “Tenho medo de um conflito, mas, se acontecer, quero defender nossa liberdade”, afirma o estudante Yating Yi, que, aos 17 anos, aguarda a convocação do Exército. Em Taiwan, os gastos com defesa subiram de 1,8% do PIB, em 2016, para 2,6%, neste ano, o que permitiu, entre outras coisas, a implementação de um sistema antimísseis que prevê oito minutos para a população se abrigar em caso de ataque. A intenção de Taiwan é resistir, muito embora seu Exército de 169 000 homens seja nanico frente aos 2 milhões de soldados chineses.

    ESPERA - Yating, 17 anos (à esq.): aguardando o alistamento, agora ampliado
    ESPERA - Yating, 17 anos (à esq.): aguardando o alistamento, agora ampliado (Amanda Péchy/VEJA)

    Taiwan, então conhecida como Formosa (nome dado pelos navegadores portugueses), iniciou sua existência separada da China continental quando o general Chiang Kai-shek fugiu para lá ao ser derrotado pelas forças comunistas em 1949. Tornou-se, aos olhos ocidentais, a China “de verdade”, um peão da Guerra Fria com direito a apoio incondicional dos Estados Unidos. Durante quarenta anos, seu partido, o Kuomintang, governou a ilha sob lei marcial, invocando a ameaça comunista para controlar a vida da população com mão de ferro. Pelo menos 140 000 pessoas foram presas durante o chamado “terror branco”, das quais 2 000 acabaram executadas. As primeiras eleições livres só aconteceram em 1996 e de lá para cá o regime se democratizou. “Já vivemos sob uma ditadura. Não podemos achar que nossa liberdade é coisa garantida”, diz Fred Chin Him-San, 75 anos, engenheiro aposentado que passou doze anos preso por suposta ligação com o Partido Comunista Chinês. Novas gerações que não vivenciaram o nacionalismo chinês predominante no passado fazem questão de manter distância do continente: pesquisa do Centro de Estudos Eleitorais da Universidade Nacional de Chengchi revelou que 61% da população da ilha se identifica como taiwaneses, apenas 2,7% como chineses e 32,9% como ambos. Ambiguidade, estratégica ou não, é artigo que vai saindo de moda em Taiwan.

    Publicado em VEJA de 10 de maio de 2024, edição nº 2892

    Publicidade

    Publicidade
    Imagem do bloco

    4 Colunas 2 Conteúdo para assinantes

    Vejinhas Conteúdo para assinantes

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

    a partir de 39,96/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.