Com 234 anos, a Constituição dos Estados Unidos é a mais antiga e longeva Carta Magna escrita do mundo. Em fevereiro de 1787, o Congresso Continental, primeira encarnação do governo americano, convocou uma convenção na Filadélfia para revisar os Artigos da Confederação, até aquele momento a lei máxima do país, considerada ineficiente pelos legisladores. Redigido em segredo, sob a supervisão do então presidente, George Washington, o documento transformou em lei a promessa da Declaração da Independência e marcou a etapa final da conversão da colônia britânica em nação. Após a confecção de dois rascunhos, os impressores oficiais produziram 500 cópias do documento e as distribuíram aos delegados da Convenção Constitucional. Restam apenas onze delas, e só uma faz parte de uma coleção privada. É este exemplar que irá a leilão em novembro, na Sotheby’s de Nova York.
Segundo especialistas, a primeira impressão da Constituição americana é mais rara do que a da Declaração da Independência, um dos poucos documentos históricos ao qual pode ser comparada em termos de significado e simbologia. As seis páginas impressas contêm os sete artigos originais que estabeleceram a estrutura do nascente governo americano e seus poderes, sua relação com os estados e os procedimentos para propor emendas — a Declaração de Direitos com as primeiras dez emendas de 1791 não está incluída. Embora não tenha assinatura, o texto, que seria ratificado pelos estados em 1788 e entraria em vigor no ano seguinte, inclui uma lista dos delegados da Convenção Constitucional e uma carta de submissão de Washington ao Congresso Continental.
Com valor estimado entre 15 milhões e 20 milhões de dólares, o documento faz parte da coleção de Dorothy Tapper Goldman. Ela o herdou em 1997, após a morte do marido, S. Howard Goldman, um incorporador imobiliário de Nova York e colecionador de autógrafos, documentos históricos e manuscritos. Ele havia adquirido a Constituição em um leilão na mesma Sotheby’s, em 1988, por cerca de 165 000 dólares — um ano antes ficara em exposição na Suprema Corte, por ocasião do bicentenário da Carta. Orgulho de seu acervo, também exibiu-a em instituições de todo o país. O produto da venda será revertido para a fundação que leva o nome da viúva, dedicada a aprofundar o estudo da democracia americana.
Inspirada pela paixão do marido, Dorothy expandiu a coleção adquirindo outras relíquias da época, incluindo documentos que registram os debates sobre a ratificação da nova Carta e a necessidade de uma Declaração de Direitos. Do acervo constam várias Constituições, entre elas uma de cada ente federativo americano — sim, o sistema dos Estados Unidos permite Cartas estaduais. Parte desse acervo, cerca de oitenta documentos, também será oferecida no leilão. “Com a venda da coleção, esperamos continuar a contribuir para a nossa missão de educação cívica e uma maior compreensão dos documentos fundadores”, declarou em um comunicado a professora e filantropa.
Selby Kiffer, do Departamento de Livros e Manuscritos da Sotheby’s, esteve envolvido no leilão de mais de trinta anos atrás, quando Howard Goldman adquiriu a cópia da Constituição. E voltará a trabalhar em sua venda no fim do ano. “Fiquei de olho nela desde então, e é muito emocionante vê-la retornar às nossas dependências depois de tanto tempo”, disse, em uma declaração oficial. “A Constituição permanece sendo uma fonte fundamental para nossa compreensão da democracia e do espírito americano, que sempre terão apelo universal e transcenderão quaisquer categorias.” Desde que foi ratificada e entrou em vigor, a Carta americana foi alterada 27 vezes. Ainda assim, sua primeira linha, “Nós, o povo dos Estados Unidos…”, continua demonstrando que a união e a superação das diferenças são fundamentais para enfrentar as adversidades a que são expostas as democracias.
Publicado em VEJA de 13 de outubro de 2021, edição nº 2759