Um dos efeitos mais perversos da pandemia do novo coronavírus foi a disputa internacional por insumos médicos. A escassez de produtos hospitalares provocou uma corrida injusta, em que países ricos pagam mais e nações subdesenvolvidas se veem sem recursos para combater o avanço da infecção.
Nesse cenário de pouca, ou nenhuma, empatia, um país vem se destacando. Trata-se da Etiópia, nação de 109 milhões de habitantes localizada no Chifre da África. Desde março, quando a epidemia se intensificou, a capital etíope, Adis Abeba, se tornou ponto de apoio fundamental para cargas que são importadas da China por países da África e da América Latina.
Entre os beneficiados está o Brasil. Em abril, o governador do Maranhão, Flávio Dino, utilizou o aeroporto de Adis Abeba para reabastecer Boeings 777 que transportavam respiradores adquiridos em Xangai, na China. A rota passou ao largo de países europeus e dos Estados Unidos, que poderiam reter os respiradores para utilizá-los nos hospitais locais.
Em abril, 600 respiradores importados pelo governo da Bahia foram retidos no aeroporto de Miami, e não foi dada qualquer explicação sobre o motivo. A Alemanha chegou a acusar os Estados Unidos de fazer “pirataria moderna” devido ao sequestro de insumos.
O correio humanitário tem um ator principal, a companhia aérea Ethiopian Airlines. Desde fevereiro, a empresa converteu 30 de seus 80 aviões de passageiros para o transporte de cargas. “Estamos aqui para os bons e os maus momentos, e vamos apoiar quem precisar”, diz Girum Abebe, diretor da Ethiopian Airlines. “Vamos manter esse correio aéreo entre Ásia, África e América Latina enquanto for preciso”, garante.
Só no continente africano, a companhia aérea já foi usada para distribuir 260 toneladas de equipamentos, beneficiando 45 países. A maior parte da carga foi doada pelo bilionário chinês Jack Ma, dono do site Alibaba. Na América Latina, Chile, Colômbia, Peru, Equador e Argentina também utilizaram a rota etíope.
A Etiópia comoveu o mundo entre 1983 e 1985, quando a guerra civil e uma seca prolongada provocaram fome generalizada, matando ao menos 1 milhão de pessoas. Mas, ainda que continue a padecer com a pobreza, o país vem empreendendo uma mudança notável desde os anos 1990.
Na última década, o país registrou crescimento anual médio de 8%, segundo o FMI. Em 2000, 60% da população estava em situação de miséria, porcentual que caiu pela metade. No ano passado, o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed Ali, ganhou o Prêmio Nobel da Paz por seus esforços para encerrar o conflito com a vizinha Eritreia.
Sem dúvida, um exemplo de solidariedade que deveria ser copiado por outros líderes internacionais.