Criticada, com razão, por tratar o novo coronavírus como problema menor e demorar a tomar providências para contê-lo, a China, quando enfim resolveu agir, causou espanto pela eficiência com que montou hospitais da noite para o dia, fechou totalmente cidades inteiras e dividiu draconianamente a população entre infectados e sãos.
Menos evidentes, mas até mais impactantes, foram as inovações na medicina que fizeram sua estreia para o público em geral no combate à pandemia – muitas delas ancoradas na robótica em rede 5G, que ainda engatinha no resto do mundo, mas já é amplamente usada na China.
ASSINE VEJA
Clique e AssineEnquanto o vírus se espalhava, impressoras 3D foram ativamente utilizadas na construção de unidades de atendimento e robôs eram vistos cruzando avenidas para reabastecer os postos com material hospitalar.
Nas UTIs, pacientes graves eram conectados à “membrana de respiração extracorpórea”, aparelho com ares de ficção científica que aspira o sangue e o oxigena antes de devolvê-lo ao corpo quando os pulmões estão falhando. Agora, com o relaxamento das restrições, vê-se nas ruas robôs capazes de escanear a temperatura de até trinta pessoas ao mesmo tempo.
Em pontos de aglomeração, como metrôs, câmeras de extrema sensibilidade, capazes de detectar a temperatura corporal num raio de 30 metros, varrem a multidão.
Tudo isso faz parte de um tremendo esforço do governo chinês para passar à frente de todos – Estados Unidos, principalmente – na área científica em geral, uma estratégia que tem tido efeito de contágio pandêmico no setor da saúde.
Segundo levantamento realizado pelo Peterson Institute for International Economics, de Washington, no mundo, hoje, metade dos óculos cirúrgicos e 60% dos artigos de proteção individual, máscaras e respiradores vêm da China (no Brasil, são 70%).
Dois em cada três centros médicos americanos usam produtos da Mindray, maior empresa de tecnologia hospitalar chinesa.
“A transformação, da qual o planeta só agora se dá conta, é resultado de investimentos pesados desde meados dos anos 2000, que incluíram a contratação de profissionais de ponta na Europa e Estados Unidos”, diz Luiz Augusto de Castro Neves, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China e ex-embaixador brasileiro em Pequim.
Não é de hoje que China e medicina caminham entrelaçados. A habilidade chinesa de curar com infusões de ingredientes exóticos tem 2 000 anos de história e segue vívida e poderosa no país, onde enche os olhos entrar em uma farmácia com sua infinidade de pequenas gavetas e mostruários de exóticas substâncias perfeitamente arrumadas.
Mas a difusão do 5G, rede de internet de altíssima velocidade com 126 000 torres instaladas no país, alçou a capacidade tecnológica da China no setor médico a um patamar acima do resto do mundo.
Em 2019, um cirurgião realizou a primeira operação remota de cérebro utilizando a rede, ele na cidade de Sanya, a 3 000 quilômetros de seu paciente, em Pequim. Outra equipe, da capital, realizou três cirurgias ortopédicas simultâneas em cidades diferentes.
É também o 5G que permite o controle remoto dos robôs que esterilizam hospitais irradiando luz ultravioleta, um dos pilares dos baixos índices de infecção que a China exibe atualmente.
A revolução na medicina faz parte do programa Made in China, idealizado pelo governo do primeiro-ministro Xi Jinping com o objetivo de alcançar até 2025 a liderança em setores de alta qualificação, como robótica, nanociência e aviação.
Para chegar lá, a China investe 2,5% do PIB, ou 500 bilhões de dólares, por ano em pesquisa, quase alcançando o maior investidor, Estados Unidos, com 550 bilhões.
Em cinco anos, 7 000 cientistas foram “importados” de outros países, com remuneração que passa dos 160 000 dólares por ano e todas as despesas pagas. No mesmo período, 370 000 estudantes chineses receberam incentivos especiais para ingressar em universidades americanas e, depois de formados, aplicar o que aprenderam na China.
No ano passado, a Organização Mundial de Propriedade Intelectual, órgão ligado à ONU, anunciou que a China passou pela primeira vez os Estados Unidos em número de patentes – 58 900 contra 57 800. Gigante das telecomunicações, a Huawei é a maior patenteadora corporativa do mundo há três anos seguidos.
Os chineses também são recordistas em publicação de artigos científicos, com 20% do total, ficando os americanos com 16%. A saber: na corrida pelo primeiro lugar, a ciência chinesa privilegia a quantidade sobre a qualidade, patenteando e publicando invenções efetivamente inovadoras ao lado de espécimes da conhecida linha de baixa qualidade que tornou o país famoso. Nem tudo que brilha é ouro no Império do Meio.