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Coronavírus: Para os brasileiros na Flórida, o tempo fechou

O estado não é mais a mesma desde que virou o epicentro da pandemia

Por Ricardo Ferraz Atualizado em 4 jun 2024, 13h54 - Publicado em 17 jul 2020, 06h00

Nos últimos dias, a caminhada pelos 2 quilômetros de calçadão da famosa Ocean Drive, a avenida à beira-­mar mais badalada de Miami, ganhou ares de nostalgia. A brisa marinha continua a soprar e a paisagem caribenha, com praia de areia branca e água turquesa, ainda encanta os olhos. Mas são raros os que neste momento circulam por lá, em pleno verão, porque: 1) a Flórida, bem como os Esta­dos Unidos em geral, está recebendo menos turistas por força da pandemia; e 2) mesmo os moradores andam evitando sair de casa, desde que o estado se tornou o epicentro dos casos confirmados de novo coronavírus no país mais contaminado do mundo. Meca tanto de turistas quanto de imigrantes saídos do Brasil, que se sentem tão em casa naquelas praias quanto nas do Rio de Janeiro, Miami, Orlando e outras cidades (onde até avisos públicos incluem o idioma português), está perdendo nestes tempos a aura de terra dos sonhos para os cerca de 400 000 brasileiros ali instalados, a maior comunidade em território americano.

O magnetismo que a Flórida exerce sobre os brasileiros que decidem se mudar para lá tem a ver com o tão familiar clima sempre ensolarado aliado a oportunidades de arranjar emprego ou erguer um negócio num local em que se sentem mais seguros. Depois de ter a janela do apartamento no Rio alve­jada por uma bala perdida, o empresário Carlos Almeida, 45 anos, passou dois anos arquitetando em detalhes a nova vida em Boca Ratón, a 70 quilômetros de Miami, para onde se mudou com a mulher e os três filhos em setembro de 2019. Por enquanto, nada saiu como o planejado. “Aqui, discute-se por causa da cloroquina, do isolamento social, da postura do governo. Fugi justamente dessas coisas”, diz ele, que nunca mais pôs os pés na Disney, reaberta no sábado 11, nem nos outlets normalmente apinhados de brasileiros deslizando suas malas lotadas de compras.

Desde o início de junho que os registros diários de Covid-19 na Flórida superam a marca de 10 000. Houve um dia com mais de 15 000 casos, recorde nacional. Se fosse um país, o estado sozinho estaria em décimo lugar no mundo em pessoas contaminadas. Para o paulista Folko Weltzian, 46 anos, veterano entre os brasileiros após quase três décadas de Miami, a pandemia trouxe marasmo à rotina de churrascos e happy hours (onde impera o português) e também à vida profissional — ele é corretor de imóveis na cidade. “Os brasileiros, que já vinham rareando por causa da alta do dólar, agora não aparecem para comprar, mas para vender”, conta Folko. Ele faz uma conta: o mercado anda hoje no mesmo patamar do crítico ano de 2011.

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A crise sanitária na Flórida tem origem na relutância do governador, o republicano Ron DeSantis, em adotar o isolamento social. Só em abril, com boa parte da Costa Leste já em quarentena, ele se rendeu à medida, mas acabou apressadamente substituindo o “não saia de casa” por um plano gradual de relaxamento, em vigor desde junho. Foi a senha para multidões se aglomerarem nas praias, nos bares e nas célebres festas de verão, diversão movida a megalitros de bebida que, quando o tempo esquenta — metafórica e literalmente —, atrai gente de toda parte. Com a curva em elevação do vírus, muitos condados (que são autônomos) estão trilhando o caminho de volta às restrições. As principais praias, porém, estão liberadas, desde que se respeite o distanciamento social, e os parques da Disney abriram os portões que tanto fascinam brasileiros de um jeito diferente: as entradas são agendadas, visitantes têm a temperatura medida e selfies com Mickey e Pateta, só quando a tormenta passar. “No início, não entendi o tamanho do problema. Aí três amigas pegaram Covid-19 e passei a me cuidar”, relata Gabriela Melo, 38 anos, que saiu de Franca para a Flórida para trabalhar auxiliando brasileiros a se estabelecer por lá. Nestes tempos, com a entrada vetada nos Estados Unidos, eles não estão aparecendo nem para visitar. Para se ter uma ideia, o estádio Hard Rock Cafe, normalmente lotado de turistas, está fechado e converteu seu estacionamento em base para testagem do vírus.

Publicado em VEJA de 22 de julho de 2020, edição nº 2696

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