As mudanças climáticas e os prejuízos que elas acarretam, evidenciadas claramente na sequência de desastres causados por este verão mais quente de que se tem notícia no Hemisfério Norte, instalam a Amazônia no centro das atenções — a maior floresta tropical do mundo influencia o clima de todo o planeta e sua preservação é crucial para o meio ambiente. Como resultado desse protagonismo, Belém, capital do Pará, sediou agora em agosto a Cúpula da Amazônia, com a presença de cinco presidentes — do Brasil, Peru, Colômbia, Bolívia e Guiana — e representantes de outras três nações, Equador, Suriname e Venezuela (Nicolás Maduro desmarcou na última hora, alegando uma otite), e um território ultramarino, a Guiana Francesa, sobre os quais a floresta se espalha. Sempre pronto a usar um palco internacional para tentar se firmar como protagonista do xadrez global, Lula ressaltou que a preservação da Amazônia “é o passaporte para que todos os países da região deixem a posição subalterna de exportadores de matérias-primas”. De preferência, com ele na liderança. No balanço final, porém, o encontro resultou em várias promessas e poucos avanços concretos.
A Declaração de Belém elenca uma lista de compromissos em comum para a região, mas os termos vagos das resoluções, que não têm prazos para se concretizar nem fontes de financiamento estabelecidas, evidenciam a complexidade da agenda ambiental e as divergências entre os países envolvidos. Lula não conseguiu incluir no caderno de responsabilidades a promessa de desmatamento zero até 2030, rejeitada pela Bolívia. Na falta de unanimidade sobre a meta, ele precisou reafirmar seguidas vezes que no país ela continua de pé, com ou sem a cooperação dos demais governos. “O Brasil é protagonista da questão ambiental, mas ainda não foi capaz de envolver seus vizinhos nos objetivos mais ambiciosos”, diz Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa, dedicado a políticas de enfrentamento das mudanças do clima.
Ponto mais sensível da Cúpula, a exploração de petróleo na Amazônia também ficou fora do documento final por falta de consenso. O assunto divide o próprio governo brasileiro, colocando de um lado a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, contrária à proposta, e de outro o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Em maio, o Ibama vetou o pedido da Petrobras para realizar uma perfuração de teste no mar, a 179 quilômetros da costa do Amapá. E a polêmica deve voltar em breve ao noticiário. Na última semana, o vazamento de um parecer da Advocacia-Geral da União considerou desnecessária a realização de estudos ambientais para a liberação de poços.
Em Belém, Lula se esquivou o quanto pôde de tomar partido na questão, incendiária. “Você acha que eu vim aqui para discutir isso?”, rebateu, ao ser questionado. Mesmo assim, o apoio do Ministério de Minas e Energia — e, por tabela, do governo Lula — à exploração foi criticado frontalmente pelo presidente da Colômbia, Gustavo Petro. “Há enorme conflito ético, sobretudo entre as forças progressistas, que deveriam estar ao lado da ciência”, disse Petro, que defende a eliminação completa de combustíveis fósseis. É assunto que deverá envolver demoradas negociações, pesquisas sérias e decisões sensatas, em que se equilibre as necessidades econômicas com o respeito ao ambiente. No segundo mandato de Lula, brigas desse quilate, lembre-se, resultaram na saída de Marina do governo.
Do outro lado do ringue, a Guiana já extrai petróleo do mar na foz do rio amazônico Demerara — com o óleo que tira de poços marítimos, o país deve se tornar em breve o quarto maior produtor mundial. “A decisão de explorar ou não petróleo depende de estudos aprofundados e planejamento”, afirma Eugênio Pantoja, diretor de políticas públicas e desenvolvimento do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Nas questões menos delicadas, a Cúpula da Amazônia conseguiu apresentar alguns bons resultados, mas que precisam sair do papel. O encontro reativou a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), instrumento jurídico criado em 1978 que só se reuniu três vezes, a última em 2009, e a incumbiu de criar um centro integrado de combate ao crime sediado em Manaus. A iniciativa, capitaneada pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, é considerada fundamental para enfrentar o poderio do narcotráfico, hoje principal financiador de atividades ilegais como mineração e extração de madeira. Decidiu-se também pela formação de um Painel Intergovernamental Técnico-Científico da Amazônia, órgão de colaboração entre pesquisadores nos moldes do IPCC, que assessora a ONU no terreno ambiental. Outro compromisso assumido, esse recebido com mais ceticismo, foi o de não permitir o alcance do chamado ponto de não retorno, definido como o momento em que a destruição do bioma ultrapassar 20% de seu território. Se isso vier a acontecer, advertem os climatologistas, a floresta perderá a capacidade de reciclar água e emitir o vapor que produz as chuvas constantes e volumosas, levando a selva mais seca a ser substituída por savana.
A sobrevivência da Amazônia ocupa papel cada vez mais central na geopolítica mundial e a manutenção da floresta é condição-chave para o andamento de negociações internacionais, incluindo a que o Mercosul trava com a União Europeia para criar uma zona de livre comércio entre as duas regiões. Na mesa está a busca de soluções sustentáveis para o futuro de 50 milhões de pessoas que vivem no extenso território, um grupo diverso que abarca 420 etnias indígenas distribuídas por oito países. “No último meio século, a Amazônia perdeu uma área equivalente à de Alemanha e França somadas, sem que isso resultasse em progresso”, observa Márcio Holland, professor de economia da Fundação Getulio Vargas. “É urgente adotarmos um novo modelo, baseado em bioeconomia, baixo carbono e inclusão.” Mudar a lógica predatória que sempre predominou na Amazônia exige postura bem mais incisiva do que o que se viu nessa reunião de cúpula. Mas sempre é um começo.
Publicado em VEJA de 11 de agosto de 2023, edição nº 2854