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Decisão da Justiça turca transforma Santa Sofia em mesquita

Igreja cristã, construída durante Império Bizantino, vai virar templo muçulmano graças a iniciativa que conta com apoio de Erdogan, seguidor do Islã

Por Ricardo Ferraz Atualizado em 10 jul 2020, 14h24 - Publicado em 10 jul 2020, 13h30
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  • Ao longo de milhares de anos, Istambul, a capital da Turquia, foi palco de disputas entre cristãos e muçulmanos. Os primeiros conflitos datam do século VII, época em que o Império Bizantino – continuação do Império Romano no oriente, após da queda de Roma na Europa – guerreou contra a expansão dos árabes na região. Por mais de mil anos, os cristãos resistiram e governaram Constantinopla, como a cidade era chamada, até a tomada do poder pelo Império Turco-Otomano, no seculo XV. O mais recente capítulo dessa história remete aos tempos antigos e está sendo escrito agora pelas mãos da Justiça da Turquia e do presidente do país, o muçulmano Recep Erdogan.

    No centro da discussão está Santa Sofia, a opulenta e milenar igreja cristã, construída no século VI, para ser a catedral da cidade. Nesta sexta-feira, uma decisão de um tribunal turco permitiu que ela fosse restaurada como mesquita. Durante o Império Otomano, o monumento já havia sido convertido em templo muçulmano, ganhando inclusive quatro minaretes em seu entorno, mas se tornou um museu em 1934, quando a Turquia implantou um estado moderno e secular. Declarar o prédio como patrimônio mundial da humanidade, por ser o maior exemplo da arquitetura cristã bizantina em todo mundo, foi a solução encontrada para afastá-lo da disputa religiosa.

    A decisão atual representa a vitória de um movimento de muçulmanos conservadores, que há quatro anos luta para transformar igrejas católicas em mesquitas. Santa Sofia será a quarta igreja convertida em mesquita e representa a vitória mais significativa de uma associação cultural obscura, que conta com apoio de Erdogan. O presidente, que comanda o país por 18 anos misturando política e religião, tem enfrentado perda de popularidade. Santa Sofia sempre foi considerado um monumento de relativa harmonia e um símbolo do secularismo do estado turco moderno, mas sua conversão em mesquita agradaria a base mais radical de apoio ao presidente.

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    Ainda não está claro como a decisão impactará o funcionamento do já antigo museu. Cevdet Yilmaz, porta-voz do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), de Erdogan, disse que o governo ainda vai determinar como realizar a mudança. A expectativa é que a nova mesquita seja utilizada para cerimônias religiosas apenas em datas festivas e ocasiões especiais, mas os muçulmanos mais fervorosos podem exigir liberdade para entrar no prédio para orações diárias. Isso traria uma série de complicações, já que o monumento é o ponto turístico mais visitado do país e cobra pela entrada de visitantes – apenas no ano passado, recebeu 3,7 milhões de pessoas. Historiadores da arte também levantam dúvidas sobre o futuro dos mosaicos medievais que retratam a Sagrada Família e imperadores cristãos. 

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    A medida causa preocupação dos líderes religiosos e políticos em todo o mundo. O líder da Igreja Ortodoxa Oriental, Bartolomeu, disse que a conversão de Santa Sophia em uma mesquita decepcionaria milhões de cristãos em todo o mundo e dividiria muçulmanos e cristãos. A decisão da Justiça turca também provocou uma reação imediata da Grécia, que se vê como herdeira do Império Bizantino. O Ministério das Relações Exteriores do país classificou a conversão como “inaceitável”. Em comunicado divulgado na sexta-feira, a UNESCO disse que a declaração de patrimônio da humanidade está vinculada a um compromisso da Turquia em garantir que “nenhuma modificação seja feita no excelente valor universal da propriedade”.

    O porta-voz presidencial, Ibrahim Kalin, afirmou que Santa Sophia poderia ser uma mesquita e estar aberta aos visitantes. Ele cita a catedral de Notre Dame e a basílica de Sacre Coeur, na França, que recebem turistas ao mesmo tempo que funcionam como templos. As pessoas podem continuar indo até lá e visitar o local. Como nossos antepassados ​​protegeram os ícones cristãos de lá, eles continuarão sendo protegidos. A abertura deste local de culto não fará Santa Sophia perder nada da sua identidade de patrimônio mundial”, declarou à agência Anadolu.

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    Pelas redes sociais, integrantes do governo comemoraram a decisão da Justiça. O ministro das Finanças, Berat Albayrak, que também é genro de Erdogan, twittou uma frase de um conhecido poeta nacionalista conservador: “Como o mestre Necip Fazil Kisakurek disse há 55 anos: ‘Esperem, jovens. Hoje ou amanhã, Hagia Sophia será aberta. Autoridades do AKP já tem uma sugestão para a primeira cerimônia a ser realizada na recém convertida mesquita: um ato no próximo dia 15 para marcar a tentativa frustrada de golpe de estado no país contra Erdogan, em 2016. Se o presidente acatar a ideia, emitirá ao mundo mais um sinal de que a Turquia já não separa estado de religião.

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