‘Donald é um ótimo vendedor, e soube se vender’
Em entrevista a VEJA, o bilionário Jorge Pérez fala sobre a longa amizade com o presidente dos EUA, interrompida após uma crítica ao muro na fronteira
Conhecido como o ‘Rei dos Condomínios” em Miami, o empresário Jorge Pérez, magnata do setor imobiliário, é amigo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, há mais de duas décadas. Ou era. Após uma entrevista publicada há pouco mais de um mês, em que definiu o plano de construir um muro na fronteira com o México como “a ideia mais idiota que já ouvi na vida”, Pérez nunca mais recebeu notícias do amigo.
Em entrevista exclusiva ao site de VEJA, Perez conta que o presidente da maior potência mundial nunca demonstrou interesse por política até anunciar a pré-candidatura. Apesar do afastamento do amigo, o bilionário latino – Pérez é filho de cubanos e cresceu na Colômbia – defende Trump: “Ele não é preconceituoso. Minha origem latina nunca foi mencionada em nossas conversas”. Segundo ele, o atual posicionamento político de Trump não passa de marketing. “Ele é um ótimo vendedor, e soube se vender”.
No fim do mês, o também magnata do setor imobiliário virá ao Brasil para a entrega do primeiro empreendimento de sua companhia no país, um residencial de luxo construído em uma região nobre da capital paulista, com investimento de 150 milhões de dólares. “Amo o Brasil, adoro o Carnaval”, disse Pérez.
Há quanto tempo o senhor e o presidente Trump se conhecem? Nos conhecemos em um evento em Nova York, há mais de vinte anos, quando ele ainda era dono de um time de futebol americano [New Jersey Generals] e meu sócio e eu fazíamos parte de outro time [Miami Dolphins]. Começamos a conversar sobre negócios e acabamos nos tornando amigos muito próximos. Estive inúmeras vezes em Mar-o-Lago, que se tornou recentemente a ‘Casa Branca de Inverno’, na Flórida. Ele me convidava para torneios de golfe e eu o chamava para jogar tênis. Nossos filhos se conhecem, nós viajávamos juntos.
O presidente é um bom parceiro de negócios? Ele é um excelente parceiro de negócios. Nunca tivemos nenhuma discussão relacionada a assuntos financeiros, e como sempre concordamos que nossos projetos seriam de primeira linha, nunca nos desentendemos.
O que o senhor e o presidente Trump têm em comum? Além de atuarmos no setor imobiliário, ambos temos esposas e filhos lindos – eu tenho quatro e ele, cinco. Nossos caçulas têm idades similares – o meu tem 13 e Barron tem 11 anos. Ele casou três vezes, eu casei apenas duas. Nós dois gostamos de esportes. Ele gosta de golfe agora, mas adorava tênis, eu também gosto de tênis. Passamos bons tempos juntos conversando sobre famílias, sobre negócios. Dividimos muitas capas de revistas por sermos homens de negócios bem sucedidos no nosso ramo.
Ele já fez algum comentário negativo sobre sua origem latina? Nunca. Ele não era preconceituoso, de jeito nenhum. Nós éramos muito amigos e esse assunto nunca foi mencionado em nossas conversas. Ele queria muito fazer negócios na América Latina. Nós tentamos emplacar projetos juntos no Brasil e até no México.
O senhor ficou surpreso quando seu amigo demonstrou interesse em concorrer à presidência? Foi uma surpresa enorme. Ele nunca teve nenhuma motivação política. Nunca tocamos em assuntos relacionados a imigração, meio ambiente, ou política em geral. Quando estava prestes a ser nomeado pelo Partido Republicano, ele me ligou para pedir que eu contribuísse financeiramente com a campanha e anunciasse publicamente meu apoio, mas eu disse a ele que sou democrata e que tinha um compromisso com os Clinton. Expliquei que ele era meu amigo, mas eu não concordava com seu discurso político na campanha em quase nenhum assunto: imigração, comércio exterior, saúde, educação, meio ambiente. Em resumo, eu me opunha a quase todas as propostas dele.
Essa oposição nunca afetou a amizade antes do comentário sobre o muro? De jeito nenhum. Depois que ele foi eleito, eu mandei um longo e-mail para parabenizá-lo e deixar claro que estaria à disposição para o que ele precisasse. Eu deixei claro que não precisava de nenhum favor, portanto me sentia à vontade para dizer o que penso. Depois disso, ele ainda me ligou várias vezes, e até me ofereceu cargos no governo, mas eu não estava interessado.
Por quê? Nós temos pontos de vista muito diferentes. Eu sou especialista em Habitação e Desenvolvimento Urbano e fui convidado para atuar nessa área, mas não queria passar quatro anos brigando contra um programa de governo do qual discordo. Eu sou favorável a programas voltados para oferecer habitações mais acessíveis, e ele certamente cortaria esses programas. Então eu não quis gastar quatro anos da minha vida constantemente irritado.
Donald [Trump] não era preconceituoso, de jeito nenhum. Nós éramos muito amigos e minha origem latina nunca foi mencionada em nossas conversas
O que você acha desses comentários racistas e xenófobos dos quais ele foi acusado, em função de sua agenda política? Donald entendeu o que as pessoas queriam ouvir. Havia uma grande sensação de frustração no país. As pessoas estavam cansadas do status quo e queriam uma voz nova, uma mudança na política. Elas não queriam as mesmas vozes que produziram um abismo entre os ricos, a classe média e os pobres. A desigualdade social nos Estados Unidos aumentou muito na última década, e grande parte da população sente que não se beneficiou do crescimento econômico do país nos últimos anos.
Então ele assumiu uma postura política que não era dele? Sim, ele tomou essa direção porque acreditou que era isso que o povo buscava. Ele viu a frustração dos republicanos e deu o que eles queriam. Bernie Sanders fez a mesma coisa no lado democrata: ser o voto de protesto. Não é votar em alguém, é votar contra algo. Agora Donald é o presidente do país mais poderoso do mundo e é preciso admirá-lo pela campanha. Como empresário, ele sempre soube o que vende bem, e entende muito de marketing e de marca. Ele é um ótimo vendedor, e soube se vender.
O senhor já foi à Casa Branca após a posse de Donald Trump? Eu já passei várias noites na Casa Branca. Frequentei inúmeros bailes de gala lá. Eu era muito próximo dos Clinton e também estive na Casa Branca durante o governo Obama. Mas ela não é tão luxuosa quanto Mar-a-Lago, definitivamente. Na última vez que falei com Donald, antes do meu comentário negativo sobre o muro da fronteira, ele me disse “você precisa vir me visitar na Casa Branca, para mantermos nossa amizade”.
Ele me ofereceu cargos no governo, mas eu não estava interessado.
No mês passado, o senhor afirmou que o plano de construir um muro na fronteira com o México é “ideia idiota”. Vocês nunca mais se falaram depois disso? Não, nunca mais. Mas quer saber? Eu ainda acho uma ideia idiota. Não só acho errado como acho imoral, e não servirá ao propósito de impedir a entrada de imigrantes ilegais nos Estados Unidos.
O senhor se arrepende de ter feito a declaração? Alguns amigos me disseram “ei, esse é o cara mais poderoso do mundo. Cuidado com o que você diz, ele pode te prejudicar”. Mas, nos Estados Unidos, as pessoas podem ter opiniões muito diferentes, e expressar essas opiniões divergentes. Ele fala sobre nossa amizade no prefácio do meu livro e diz “se tem uma pessoa com quem eu posso aprender coisas no setor imobiliário é Jorge Pérez”. Eu sinceramente espero que ele considere meus comentários sobre sua política migratória como críticas construtivas e nós possamos continuar a ser amigos.
No fim do mês, você virá a São Paulo para a entrega do primeiro projeto imobiliário de sua companhia em uma cidade brasileira. Qual sua relação com o Brasil? Eu amo o Brasil, adoro o Carnaval. Já fui muitas vezes ao Brasil, mas cheguei como investidor há apenas quatro anos, quando o país vivia o crescimento econômico após o governo Lula e havia muitas oportunidades de parceria com empresas do ramo imobiliário. Nós queríamos investir pesado no Brasil. O primeiro empreendimento, de 672 unidades de alto padrão em cinco torres de 47 andares em São Paulo, foi a maior campanha de marketing que já produzimos. Só o centro de vendas custou 5 milhões de dólares. As vendas foram um sucesso, mas a obra foi embargada logo no início por causa de uma divergência entre um órgão ambiental que aprovou a construção e o Ministério Público. Tivemos um prejuízo enorme. O embargo ocorreu em 2014, mas a Justiça no Brasil é lenta e tem sido um pesadelo. O outro projeto é um residencial de luxo na capital paulista, no mesmo nível dos empreendimentos de alto padrão em Nova York.
O senhor é otimista em relação à economia brasileira? Sim, tenho muita esperança de que o Brasil volte a crescer. É um país tão rico e com potencial enorme. Esta é uma das piores recessões que o país já viveu, mas eu acredito que o Brasil continuará sendo uma potência mundial depois de se livrar dos problemas econômicos e dos escândalos de corrupção.