Partidos nacionalistas e anti-imigração terão a grande chance de expandir sua influência em todo a Europa nas eleições para o Parlamento Europeu, que começam nesta quinta-feira, 23, e terminam no domingo 26. Mais do que em pleitos anteriores, os cidadãos do velho continente tomarão uma decisão que pode ser crucial para o futuro do bloco.
A votação para o Parlamento é realizada uma vez a cada cinco anos e é um dos maiores exercícios de democracia do mundo, pois dá aos 500 milhões de cidadãos da União Europeia (UE) a oportunidade de escolherem seus representantes para o Legislativo europeu.
Desde o último pleito, realizado em 2014, o bloco foi atingido em cheio por uma crise de refugiados, por diversos ataques terroristas e pelo conturbado processo do Brexit, a saída do Reino Unido do bloco europeu. Esses movimentos influenciaram o crescimento de legendas radicais de direita, comumente designadas como populistas, que baseiam suas promessas de campanha extremistas em ideais anti-imigração, antipolíticas climáticas e até mesmo anti-União Europeia.
“Esses partidos usam o argumento de que os imigrantes bloqueiam a prosperidade e baseiam suas campanhas em promessas de proteção econômica e cultural contra os estrangeiros”, afirma André Krouwel, professor de Ciência Política da Universidade Livre de Amsterdã.
Os candidatos também vêm baseando suas campanhas na criação de uma rivalidade com membros da elite política europeia, acusando-os de colocar o bem-estar dos imigrantes na frente do dos próprios cidadãos do bloco. Essa retórica tem encontrado eleitores suscetíveis.
O Parlamento tem funções importantes dentro da União Europeia. A Casa aprova legislações internas, define os orçamentos e supervisiona uma variedade de instituições do bloco. Também desempenha um papel crucial na escolha do presidente da Comissão Europeia. O atual líder, Jean-Claude Juncker, termina seu mandato no final deste ano e já anunciou que não será candidato à reeleição.
Após a votação, as legendas nacionais de todos os países-membros se associam nos chamados partidos pan-europeus. Atualmente, são oito grupos, que se reúnem de acordo com a vertente política de suas bases nacionais.
Os nacionalistas e populistas de direita se agrupam em torno do Europa das Nações e das Liberdades (ENL). Fazem parte desta união os partidos Liga Norte, do ministro do Interior italiano Matteo Salvini, Frente Nacional, da ex-candidata à Presidência da França Marine Le Pen, e o Partido do Brexit, do eurófobo britânico Nigel Farage.
Também se agregam ao ENL as legendas da extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) e o Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ), além de representantes da Polônia, Holanda, Romênia e Bélgica.
Não há estudos que meçam o desempenho dos grupos pan-europeus antes da votação. Mas as pesquisas eleitorais realizadas nacionalmente mostram um aumento na popularidade dos partidos mais radicais da direita.
Tradicionalmente, a maioria dos votos para o Parlamento se agrupam no Partido Popular Europeu (EPP), na legenda que neste ano se identifica como Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D) e na Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa (ALDE). Juntos, as três frentes têm se mostrado coesas em praticamente todas as decisões tomadas pelo Legislativo.
O resultado da votação dos próximos dias, contudo, pode alterar o balanço de poder na Casa. “Vai haver uma fragmentação. Os três maiores grupos podem perder influência, e os populistas, assim como os ambientalistas, devem crescer”, afirma André Krouwel.
Atualmente, há dois grandes blocos de partidos que baseiam suas plataformas em pautas de ecologia e de combate ao aquecimento global: o Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia e a Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde. Com o avanço das discussões sobre o a mudança climática, essas uniões se tornaram as maiores vítimas dos ataques de Salvini e Le Pen, além de comentários grosseiros dos próprios candidatos de direita ao Legislativo europeu.
Apesar de não estarem concorrendo nas eleições, os líderes dos partidos nacionais se envolvem diretamente nas campanhas e são os principais responsáveis por angariar votos aos candidatos ao Parlamento Europeu.
No último sábado 18, Salvini e Le Pen se reuniram para um grande comício em Milão, na Itália, que contou também com a presença do holandês Geer Wilder, líder do Partido pela Liberdade (PVV) e de delegações de legendas da direita da Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Dinamarca, Eslováquia, Estônia, Finlândia e República Checa.
“Não queremos que essa União Europeia que alimenta uma globalização selvagem, sem regras, faça os escravos trabalharem para vender mercadorias aos desempregados”, afirmou a líder da extrema-direita francesa.
“Devemos parar a imigração, parar a islamização. Salvini já mudou a política italiana e é um exemplo para todos nós”, disse Wilders, em uma homenagem ao vice-primeiro-ministro italiano. “Obrigado, Matteo, por nos ajudar a eliminar (Angela) Merkel, (Emmanuel) Macron, (Jean-Claude) Juncker e os outros líderes europeus”, ressaltou Anders Vistisen, do Partido do Povo da Dinamarca, referindo-se à chanceler alemã, ao presidente francês e ao presidente da Comissão Europeia.
O Brexit e a eurofobia
O Reino Unido participará das eleições, apesar de ter sua retirada da União Europeia aprovada em um referendo de 2016. A primeira-ministra Theresa May tentou evitar a inclusão britânica no pleito, mas após meses de impasse nas negociações de um acordo sobre a saída e o adiamento do início do Brexit para outubro, seu governo concordou em fazer parte do sufrágio.
A ideologia por trás do processo de divórcio, contudo, tem impactado diretamente a campanha eleitoral para o Parlamento Europeu. O pessimismo em relação à União Europeia aumentou desde que a jornada pelo Brexit começou e que o Partido de Independência do Reino Unido, de Farage, foi o mais votado pelos britânicos nas parlamentares europeias, em 2014.
Neste ano, contudo, o cenário está menos otimista para as legendas que defendem o fim da União Europeia, graças ao exemplo britânico. “As pessoas começaram a perceber que deixar o bloco tem custos muito altos”, afirma o cientista político André Krouwel.
Para o especialista, aqueles que estavam em dúvida sobre as vantagens da União Europeia voltaram a confiar no futuro do bloco. Mesmo alguns partidos que defendiam o fim da união, como o Movimento 5 Estrelas, da Itália, e o Frente Nacional, de Le Pen, moderaram seus discursos e agora falam apenas em promover mudanças na União Europeia.
Com o fracasso das negociações do Brexit, partidos menores do Reino Unido também devem ganhar mais força nesta quinta-feira, 23, quando será realizada a votação no país. Os liberais-democratas, que fazem campanha pró-União Europeia, também devem superar os conservadores nacionalmente.
Fake news
Assim como no Brasil, a campanha europeia foi diretamente impactada pela disseminação de fake news. A organização não governamental Avaaz, que dá voz a campanhas da sociedade civil na internet, identificou ao menos 500 perfis e grupos do Facebook suspeitos de espalhar informações falsas.
Os conteúdos detectados tiveram cerca de 533 milhões de visualizações nos últimos três meses e, em sua maioria, foram espalhados por redes de extrema-direita e de eurocéticos.
Alertado pela Avaaz sobre o problema, o Facebook fechou dezenas de contas em vários países europeus, incluindo a Itália e a Polônia. As autoridades da União Europeia também denunciaram que a Rússia está valendo-se da desinformação para influenciar o resultado da votação, assim como fez nas eleições de 2016 nos Estados Unidos.
“Putin está usando as redes sociais como forma de desestabilizar as democracias ocidentais”, diz Krouwel.
Como funcionam as eleições?
Ao todos, os europeus elegerão 751 eurodeputados. Os assentos do Parlamento são distribuídos entre os países de forma proporcional, de acordo com a população.
As eleições começam nesta quinta e vão até domingo, 26. Os cidadãos do Reino Unido e da Holanda são os primeiros a ir às urnas, seguidos pelos da Irlanda e República Checa na sexta, 24. Os da Letônia, Malta e Eslováquia votarão no sábado, 25. As demais nações realizam o pleito no domingo.
Em alguns países, os eleitores votam diretamente em seu candidato preferido, enquanto em outros, que adotam sistemas de lista fechada, escolhem o partido.
Historicamente, as eleições para o Parlamento Europeu atraem menos atenção dos cidadãos do que as votações nacionais. Não deve ser diferente neste ano. Desde a primeira eleição na União Europeia, em 1979, quando a participação do eleitorado foi de 62%, a presença popular diminuiu de forma contínua, até bater no recorde de 42,61%, em 2014.
“As pessoas deixam de votar por falta de conhecimento diante da complexidade dos temas em discussão e porque estão frustradas com a UE e com a antiga política”, diz o cientista político André Krouwel.