Entre dólar, peso e real: por que a Argentina ficou tão cara para os brasileiros?
Ainda que haja prenúncios de melhoras econômicas, argentinos e turistas ainda não têm sentido benefícios no bolso

Não é raro que os brasileiros que visitam, ou até mesmo moram, na Argentina sintam que o país ficou mais caro. O motivo para o estranhamento de quem para lá viajava à procura da famosa parrilla está no dólar mais caro – tanto na cotação oficial quanto na paralela, chamada de “dólar blue” – e na valorização do peso argentino, a moeda local.
Dados do Banco de Compensações Internacionais mostram uma valorização de 40% em termos reais no período entre dezembro de 2023 e outubro do ano passado. Ao mesmo tempo, o presidente da Argentina, Javier Milei, parece estar conseguindo domar, a trancos e barrancos, a alta inflação. Entre dezembro de 2023 e outubro de 2024, o índice mensal desacelerou de 25,5% para 2,7%, a menor marca desde 2020.
Uma das pedras no sapato do ultraconservador, a inflação anual também deu passos positivos, com a Argentina encerrando 2024 em 117,8%, ainda elevadíssima, mas bem abaixo dos 211,4% do ano anterior. Para isso, Milei adotou a “âncora inflacionária”, estratégia que consiste na ancoragem do valor do dólar em 2% fixos, inferior ao índice mensal da inflação. O instrumento foi apoiado pelo corte dos gastos públicos – a motosserra que virou símbolo do governo – e pela suspensão da emissão de dinheiro para o Tesouro.
Vida em dólar
No início da década de 1990, a Argentina implementou a política de paridade de moedas. Com isso, o preço do peso equivalia ao dólar. Pode parecer positivo, mas um fator não foi levado em consideração: a paridade aumentou o custo de produção, o que levou à fuga de investidores e a uma grave crise econômica. A política só viria ao fim em 2001, o peso perdeu valor e a inflação disparou.
Na encruzilhada, a população passou a usar o dólar, devido à sua confiabilidade, em suas poupanças e em contratos. A alta demanda da moeda americana a tornou escassa. Em reflexo, o governo iniciou um processo de controle cambial e impôs medidas de limitação da compra de dólares.
Fracasso de um, oportunidade de outro. Uma vez o peso desvalorizado, turistas brasileiros passaram a aproveitar, com toda pompa e circunstância, uma vida de luxo em Buenos Aires.
Uma nova inflação
Ainda que a Argentina mostre prenúncios de melhoras econômicas, a população do país ainda não tem sentido benefícios no bolso. Os salários estão congelados; a pobreza disparou, atingindo o pior parâmetro em duas décadas; o fantasma da recessão ainda paira sobre o país; e o consumo caiu, incluindo o de carne bovina, um clássico do cardápio argentino.
Além disso, com o peso valorizado, setores como a indústria sofrem um efeito rebote: produzir fica mais caro, como na década de 90, reduzindo a competitividade e levando a população a optar por importados.
Ao mesmo tempo, com as mudanças econômicas e o fortalecimento do peso, a cotação oficial do dólar não acompanhou o custo de vida. Surgiu, assim, a inflação em dólares, na casa de 70% no ano passado.
Com tantos ingredientes variáveis, o caldo engrossa para brasileiros. Por aqui, o real enfrenta uma forte desvalorização e a moeda americana pesa na carteira – na cotação de hoje, um dólar equivale a 5,76 reais. Ou seja, a Argentina ficou mais cara para a turma verde-amarela, colocando em suspenso o desejo de voltar a esbanjar no vizinho.