Espanha vai a eleições parlamentares sob temor de instabilidade política
Seja qual for o vencedor, o PSOE ou o PP, estará nas mãos das legendas menores e mais radicais para formar seu gabinete
A Espanha realiza eleição parlamentar neste domingo, 28, pela terceira vez em pouco mais de três anos, sem perspectiva de fim da instabilidade política que começou em 2015. O Partido Socialista Operário da Espanha (PSOE), do primeiro ministro Pedro Sánchez, tem chance de conquistar o maior número de cadeiras no Parlamento, mas não a necessária maioria de 176 deputados para continuar no poder.
A composição do PSOE com o também esquerdista Unida Podemos é dada como certa. Mas as contribuições dos ruidosos catalães do Esquerda Republicana e do Juntos pela Catalunha e de outras pequenas legendas, com concessões, serão necessárias para Sánchez governar. Na direita, o Partido Popular (PP), de Pablo Casado, também têm chances de garantir maioria se vier a se aliar com os extremistas do Vox e com os mais moderados do Ciudadanos – os mesmos lhes roubam votos nesta eleição.
Esta é considerada a eleição mais disputada e imprevisível das últimas quatro décadas. Além da vitória do PSOE, a outra – e última – certeza é que o partido de extrema-direita Vox, fundado em 2013, conseguirá representação parlamentar pela primeira vez.
O grau de incerteza é tão alto que os partidos imploraram aos indecisos, entre 30% e 40% dos eleitores, e aos abstencionistas que compareçam às urnas. Quem, por fim, acabar governando “vai depender de um punhado de votos”, disse María José Canel, professora de Comunicação Política da Universidade Complutense de Madri, prevendo maioria estreita. “Esta é, talvez, uma das campanhas mais intensas que já tivemos por uma razão fundamental: a grande incerteza sobre os seus resultados”, completou.
A eleição deste domingo foi convocada por Sánchez, no poder há apenas 10 meses, porque o Congresso rejeitou a proposta socialista para o orçamento de 2019, em fevereiro. O primeiro-ministro tem atualmente apenas 84 das 350 cadeiras no Parlamento. A campanha eleitoral, no entanto, começou muito antes, com mensagens mais emotivas do que racionais e trocas de acusações ásperas entre a direita e a esquerda, frequentemente por causa das tensões separatistas na Catalunha.
Direita x direita
Os líderes dos principais partidos encerraram suas campanhas na sexta-feira, 26. “Nada está feito. Ganhar não significa governar: temos que ganhar e governar”, ressaltou o primeiro-ministro Sánchez, em Madri, ao alertar sobre o “perigo” que representa a vitória do PP de Casado, que abriu a porta para que o Vox faça parte de seu governo.
Casado preferiu atacar seus concorrentes da direita. Advertiu os eleitores que votar no Vox ou no Ciudadanos significaria fazer “um favor” a Sánchez, a seus “parceiros” do Unida Podemos e aos nacionalistas bascos e catalães.
“Simpatizantes do Cidadãos e do Vox, com todo o respeito, se não lhes importa que Sánchez continue governando, continuem votando no Vox e no Ciudadanos”, declarou o conservador também em Madri.
Sua declaração desagradou o líder do Cidadãos, Albert Rivera, que ressaltou ser seu objetivo tirar Sánchez do governo – e não distribuir cargos de forma antecipada para outros partidos.
O líder do Unida Podemos, Pablo Iglesias, alertou sobre um possível pacto entre PSOE e Cidadãos, de direita. Por isso, ressaltou que votar nos socialistas “não é uma garantia” para a aplicação de políticas de esquerda.
Por fim, o líder de Vox, Santiago Abascal, escolheu como local de seu último discurso de campanha a praça de Colón, em Madri, símbolo da união das chamadas “três direitas” durante a manifestação em favor da unidade da Espanha, em fevereiro. Na mesma praça, antes do comício de Abascal, três ativistas do grupo feminista Femen protestaram com os seios descobertos contra as políticas defendidas pelo partido de extrema-direita.
Os discursos deixaram clara para os líderes dos rivais PSOE e PP que não será fácil a costura das alianças para alcançar uma maioria confortável para governar. Se não for possível, Sánchez continuará à frente de um governo fragilizado até que uma das várias fórmulas de coalizão seja amarrada.
Em um Parlamento que tende a emergir bastante fragmentado desta eleição, a chave para um possível pacto de governo está nos partidos minoritários, porém, decisivos, como os separatistas catalães e os nacionalistas bascos e até mesmo o Vox.
“Os níveis de fidelidade de voto nos partidos estão enfraquecendo. Por isso, temos tanta volatilidade (eleitoral)”, explicou Irene Delgado, professora de Ciência Política da Universidade Nacional de Educação a Distância (UNED).
A eleição consolida o bipartidarismo imperfeito que vigorou durante as últimas quatro décadas de democracia na Espanha, com o PSOE e o PP alternando-se no poder.
Esta será a primeira vez que cinco partidos de abrangência nacional – PP, PSOE, Podemos, Cidadãos e Vox – terão presenças relevantes no Parlamento, de acordo com todas as pesquisas. Nesse ambiente, segundo Canel, “o mais certo é que o PSOE terá mais votos que os demais e que o Vox entrará com representação suficiente para fragmentar a direita”.
Estimativa do jornal El País baseada na média dos resultados de “dezenas” de pesquisas eleitorais indica que o PSOE elegerá em torno de 129 parlamentares, seguindo pelo PP, com 78. Os esquerdistas do Unidas Podemos, 35. Os do Ciudadanos, de direita, conseguiriam 46. O Vox, de extrema-direita, 30. De acordo com os modelos estatísticos utilizados, o PSOE terá a maior probabilidade, de 85%, de conquistar maioria se se coligar com o Unidas Podemos e outras seis legendas pequenas, entre as quais o xxxx, dos separatistas catalães.
Vulcão adormecido
Passada a crise econômica do início da década, a Espanha continua a ser desfiada pelos seus indicadores de desemprego e de custo de vida, que pesarão nas decisões do eleitorado neste domingo. Mas a separação da Catalunha e a unidade territorial do país tornaram-se os temas de maior envergadura na campanha política.
A Catalunha foi a pedra no sapato de Mariano Rajoy, o primeiro ministro de direita que antecedeu Sánchéz. Os movimentos de independência de 2017 foram diretamente responsáveis pela queda do ex-líder do PP, já que os partidos independentistas da região apoiaram a moção de censura apresentada pelo socialista, que levou o PSOE de volta ao poder.
As concessões aos separatistas catalães, no entanto, cobraram seu preço e motivaram a derrota do PSOE nas eleições regionais da Andaluzia, no sul do país. Depois de 40 anos comandada pelos socialistas, a região tem um governo de centro-direita, apoiado pelos extremistas do Vox.
O temor de possível ruptura da unidade da Espanha foi determinante nas eleições regionais do ano passado e continuará a ter um papel muito importante no pleito deste domingo, segundo o analista Lluís Orriols, professor de Ciência Política da Universidade Juan Carlos I, de Madri.
“Não é por acaso que a direita se rompeu pela primeira vez em décadas (em diferentes legendas). Não foram só os escândalos de corrupção (do PP), mas também a crise catalã”, afirmou Orriols, citando as mudanças no campo conservador, até então controlado pelo PP.
Orriols prevê que os eleitores decidirão seus votos a partir de dois eixos fundamentais: a ameaça da ultradireita e as políticas sociais.
“Uns, da esquerda, usarão a dicotomia de: ou nós governamos ou a extrema-direita. Já a direita estará envolvida na disputa em torno da identidade nacional”, analisou. “Se considerarmos a preocupação com a unidade da Espanha que havia no fim de 2017, sem dúvida, isso diminuiu. Mas o eixo nacionalista se mantém ativo, não é um vulcão adormecido”, afirmou Orriols.
Enquanto o PP, o Cidadãos e o Vox insistiram sobre a questão da Catalunha em suas campanhas, o PSOE optou por evitar o tema. Sánchez reitera em seus discursos que nunca aceitará a separação. Mas, inevitavelmente, terá de se compor com os separatistas se quiser governar.
Jovens na pobreza
Na órbita econômica, as expectativas dos eleitores vão além das promessas em torno dos impostos – o PSOE, querendo aumentar os tributos sobre os mais ricos, o PP comprometendo-se a reduzir a carga tributária em geral. Apesar da recuperação, a taxa de desemprego alcança 14,45%, e quase 90% dos novos empregos são de caráter temporário.
A taxa de desemprego entre os jovens alcança 24,4%, e muitos deles encontram trabalho de jornada parcial, com salários baixos. Mais da metade atua em postos para os quais estão superqualificados. O resultado é quase 2 milhões de jovens espanhóis em situação de pobreza, segundo o relatório de 2017 do Conselho da Juventude da Espanha, e a emigração de mais de 1 milhão de espanhóis desde o começo da crise financeira. Em especial, de jovens altamente qualificados.
O valor dos aluguéis subiu de 9,3% a 10% no ano passado, e a Espanha tornou-se opaís da Organização para a Cooperação e do Desenvolvimento Econômico (OCDE) com o maior porcentual da renda familiar gasto em moradia: 37% das famílias desembolsam mais de 40% de suas receitas com essa despesa.
O país também se vê diante de um inevitável desafio na área previdenciária, seja pela queda no número de trabalhadores formais, seja pela queda acentuada na taxa de natalidade, a mais baixa desde 1941. Nessa equação entra também o aumento da expectativa de vida dos espanhois.
Nesse contexto, a abertura do país à imigração será certa. A questão, entretanto, enfrenta a resistência dos setores de direita, especialmente do radical Vox. Atualmente, os imigrantes representam 13% da população ativa do país. Mas o Fundo Monetário Internacional (FMI) alerta não ser suficiente e calcula que seria necessária a chegada de mais 5,5 milhões de estrangeiros ao país até 2050 para sustentar o sistema previdenciário espanhol – além de aumentos no tempo e no valor de contribuição.
(Com EFE)