Capaz de alterar o rumo político não só do próprio país, como de todo o planeta, a eleição presidencial dos Estados Unidos despertou atenção inédita. Acabou se dividindo, como de resto quase tudo, em antes e depois da pandemia. De líder nas pesquisas, impulsionado pela economia em alta e gestos barulhentos na política internacional, Donald Trump se viu caindo sem parar nas intenções de voto, empurrado ladeira abaixo pela péssima gestão da crise do vírus, pela paralisação econômica e pelo desemprego recorde. Aconteceu o que pouca gente previa no início de 2020: embalado pelo sentimento anti-Trump, o democrata Joe Biden, senador de 78 anos que foi vice de Barack Obama, ganhou a eleição. Entre pouco mais da metade dos eleitores americanos que votaram nele, e também ao redor do mundo, ergueu-se um tonitruante suspiro de alívio pelo restabelecimento da potência americana tal qual ela era conhecida antes da motoniveladora trumpista — que é pouco criativa, narcisista, com apreço a autocratas e propagadora de avalanches de tuítes mal-educados, em letras maiúsculas. A Casa Branca passa a ser comandada por um sujeito universalmente tido como simpático e boa-praça, casado com uma educadora, Jill, com ph.D. em sua área e emprego fixo (que pretende manter).
Espera-se que Biden ponha de pé um governo que, pelo menos neste primeiro momento, será a exata antítese da era Trump. Prevê-se a reversão das hostilidades contra imigrantes, a volta dos Estados Unidos ao Acordo Climático de Paris e a implementação de políticas duras para controlar a pandemia, que grassa à solta no país campeão em contágios e mortes. Até a briga com a China, a pontapés no mandato que acaba, deve continuar, porém mais respeitosa. A equipe que entra conta com um número inédito de mulheres e negros, um latino no comando da política de imigração e uma militar trans na assessoria do Departamento de Defesa. Sem falar na vice, Kamala Harris, filha de pai jamaicano e mãe indiana, primeira mulher a ocupar o posto, ás da comunicação nas redes e, ao que tudo indica, figura central nos próximos quatro anos — ao fim dos quais, se tudo correr nos conformes, sairá candidata à Presidência. Kamala Harris versus Donald Trump (que anda prometendo voltar) — essa disputa promete.
Publicado em VEJA de 30 de dezembro de 2020, edição nº 2719