Dez anos depois de chegar ao poder e iniciar a vertiginosa derrocada da economia venezuelana, que impôs fome e penúria à população e tortura e repressão aos adversários políticos, o presidente Nicolás Maduro acaba de assinar um acordo que tira o país, ao menos temporariamente, da condição de pária global. Em reunião entre representantes do governo e da oposição em Barbados, no Caribe, ele se comprometeu a realizar eleições sob supervisão internacional, no segundo semestre de 2024, quando se encerra seu segundo mandato (e, se depender dele, começa o terceiro). Logo em seguida, os Estados Unidos, idealizadores e avalistas do pacto, anunciaram a suspensão por seis meses das sanções instituídas por Donald Trump em 2019, que proíbem o comércio entre os dois países.
As medidas atenuam a situação de Maduro, atrelado a uma crise humanitária catastrófica, mas pouca gente acredita que as condições sejam cumpridas e o alívio, duradouro. O primeiro nó se fez presente no domingo 22, quando a engenheira María Corina Machado, 56, levou 93% dos votos nas primárias da oposição para o pleito presidencial. Detalhe: ferrenha oposicionista, ela está impedida de ocupar cargos públicos. “Hoje não é o fim, mas é o princípio do fim”, comemorou.
A realização das primárias foi, por si só, um triunfo para a oposição. Organizadas de forma independente, não contaram com qualquer apoio técnico ou verba oficial — pelo contrário, a agência de telecomunicações tirou do ar um guia da localização das urnas e rádios e TVs foram impedidas de cobrir a votação. Mesmo assim, mais de 2,3 milhões compareceram aos postos, uma surpresa até para os organizadores e um indício de que a população tem esperança de poder encerrar de vez a dolorosa década em que o PIB encolheu 80% e 7 milhões, dos 30 milhões de venezuelanos, deixaram o país. Encerrada a apuração, a Procuradoria-Geral, órgão submisso ao presidente, anunciou a abertura de investigação para apurar “violações eleitorais, crimes financeiros e conspiração” nas primárias.
O documento de cinco páginas assinado em Barbados é vago e não anistia políticos impedidos de se candidatar, como Machado — seu direito de concorrer foi cassado por quinze anos pelo Judiciário subordinado a Maduro. A Casa Branca, que já havia permitido que a petroleira Chevron retomasse suas operações em Caracas, decidiu agora autorizar a retomada da vital rota de exportação para os Estados Unidos da PDVSA, a estatal do petróleo — tudo condicionado a eleições livres.
A mudança da postura americana em relação a Maduro — que no processo libertou cinco presos políticos — tem a ver com a ameaça que a guerra na Ucrânia e as sanções ao petróleo russo, junto agora com o conflito no Oriente Médio, representam para o suprimento mundial do produto, que tem na Venezuela as maiores reservas do planeta. Também entra na equação o crescente fluxo de venezuelanos para os Estados Unidos — eles são maioria entre os indocumentados que cruzam a fronteira e Maduro, nas últimas conversas, se comprometeu a receber de volta os que forem rejeitados. “O presidente Joe Biden sabe que a economia na Venezuela precisa melhorar para estancar a chegada de imigrantes”, diz Christopher Sabatini, pesquisador para a América Latina na Chatham House, de Londres. É um modo pragmático de os Estados Unidos medirem a relação com a Venezuela — mas convém a Maduro não imaginar que seus problemas estão resolvidos, longe disso.
Publicado em VEJA de 27 de outubro de 2023, edição nº 2865