Experiências de vida tornam Biden um presidente diferenciado, diz biógrafo
Para o jornalista Evan Osnos, tragédias na família e longa vivência na política fazem do democrata um homem cuidadoso e empático
Exatos 50 dias após a troca de governo nos Estados Unidos, ainda há muitas dúvidas sobre o que se pode esperar do futuro da potência mundial sob o comando de Joe Biden. O político democrata, no entanto, tem uma longa experiência na política e durante seus anos como senador e vice-presidente foi observado de perto pela imprensa e população americana, o que o tornou uma figura conhecida.
O jornalista e escritor Evan Osnos, porém, teve a oportunidade de conhecer Biden ainda mais de perto, ao longo de mais de uma década de cobertura política pela revista The New Yorker. Osnos também realizou ao menos quatro longas entrevistas exclusivas com o democrata desde 2014 e a partir de suas experiências publicou a biografia “Joe Biden: A vida, as ideias e os desafios do presidente da nação mais poderosa do mundo”, disponível no Brasil desde o final de fevereiro pela Editora Agir.
Em entrevista a VEJA, o jornalista falou sobre a personalidade leve do presidente americano, assim como sobre as derrotas e dificuldades que enfrentou em seus mais de 50 anos na política. “A combinação de experiências boas e ruins vividas por Joe Biden criaram em sua mente uma maior capacidade de compreender o sofrimento do outro”, disse.
O senhor esteve frente a frente com Joe Biden em diversas oportunidades. Quais foram as suas impressões sobre ele? Biden é bastante exigente com seus assessores e às vezes chega a ser seco ao dar ordens e exigir resultados. Mas ao mesmo tempo é um homem muito informal, que frequentemente puxa conversas casuais com as pessoas que cruzam seu caminho. Ele está na política há tantos anos que já se acostumou com sua posição de poder e deixou de lado a presunção que muitos em Washington D.C. ainda carregam.
As características mais amigáveis de sua personalidade podem atrapalhá-lo na Casa Branca? Sim. Ele acredita demais no poder do diálogo e isso pode prejudicar sua capacidade de fazer bons acordos. Algumas pessoas no Partido Democrata temem que ele possa ceder demais em negociações com a oposição e acabe sendo manipulado a fazer concessões em temas como justiça social e economia.
Biden perdeu a primeira esposa e a filha bebê aos 29 anos, e em 2015 seu filho mais velho, Beau, morreu de um câncer no cérebro. Como essas tragédias moldaram o caráter e comportamento dele como político? A combinação de momentos bons e ruins vividos por Joe Biden criaram em sua mente uma maior capacidade de compreender o sofrimento do outro e se identificar com as pessoas mais vulneráveis e frágeis. Nosso país passa justamente por um período de fragilidade após quatro anos de um governo disruptivo e com uma pandemia sem precedentes, e ter um presidente mais sensível à essa realidade é muito importante. Pela sua experiência, pessoal e profissional, Joe Biden é um presidente totalmente diferente de qualquer outro que já tivemos.
Joe Biden foi muito criticado por algumas das posições que assumiu no passado, como seu apoio à invasão do Iraque em 2003 quando era senador. Essas decisões ainda o afetam? A reação a esses posicionamentos o tornaram muito mais cuidadoso no momento de tomar decisões. Hoje ele é uma pessoa muito mais paciente e cautelosa do que nos primeiros anos como senador. Após a guerra no Iraque, por exemplo, ele foi contra uma série de propostas para o envolvimento dos Estados Unidos em conflitos e não apoiou a interferência na Líbia.
Apesar dessas decisões controversas, alguns dos principais momentos da carreira de Biden foram na política externa. O que podemos esperar dele nessa área? A prioridade dele é reconstruir a credibilidade internacional dos Estados Unidos e reverter algumas das mais controversas decisões de Donald Trump, como a aliança com ditaduras e o descompromisso com direitos humanos, democracia, estado de Direito e imprensa livre. Biden sempre acreditou no poder do exemplo da liderança americana e, com certeza, se esforçará para dar bons exemplos em política internacional.
Qual o maior fracasso da carreira de Joe Biden? Com certeza sua atuação na sabatina do juiz Clarence Thomas para a Suprema Corte em 1991. Na época Biden era presidente do Comitê Judiciário do Senado e comandou os interrogatórios de algumas mulheres que acusavam Thomas de assédio sexual, mas não garantiu um tratamento justo para elas. A advogada Anita Hill, que era uma das principais testemunhas, foi tratada com grande descrédito e agressividade, e por fim o juiz acabou sendo confirmado no cargo. Até hoje muitas mulheres se sentem pessoalmente ofendidas pela falta de ação de Joe Biden no caso.
A idade avançada do presidente pode ser um problema? Com certeza seria muito mais fácil lidar com as responsabilidades e desafios da Casa Branca se ele fosse mais jovem, mas, ao mesmo tempo, sua experiência no Senado e na Vice-Presidência lhe dão uma grande vantagem – há pouca coisa que ele não tenha visto em Washington D.C. Além disso, ele é bastante saudável e ativo, se alimenta bem e pratica exercícios físicos. É improvável que ele concorra a um segundo mandato, mas até agora ele também não descartou a possibilidade publicamente.