Fake news e difamações: como críticos do papa Francisco podem influenciar votos no conclave
Mais progressista e conhecido pela humildade, o argentino de 88 anos atraiu desafetos da ala conservadora da Igreja Católica

Aos poucos, os 135 cardeais com direito a voto no conclave vão chegando a Roma ao longo da semana, no horizonte a reunião para escolher o sucessor do papa Francisco, que faleceu na segunda-feira 21 após um AVC. Mais progressista e conhecido pela humildade, o argentino de 88 anos atraiu desafetos da ala conservadora da Igreja Católica. Esse grupo de críticos, formado em peso por religiosos dos Estados Unidos, agora se prepara para uma maratona de disseminação de calúnias até 6 de maio, quando a Capela Sistina fechará as portas para o secretíssimo processo de votação do próximo pontífice, segundo o jornal italiano Corriere della Sera.
A rede de intrigas é antiga e chegou a afetar o conclave que terminou com a escolha de Francisco, em 2013. Na ocasião, Jorge Mario Bergoglio, nome de nascimento do argentino, precisou defender sua capacidade de liderar o rebanho de 1,4 bilhão de católicos, por denúncias de que tinha apenas um pulmão. Na verdade, aos 21 anos, ele perdeu o lobo superior de um dos pulmões com a retirada de três cistos. O Cardeal de Buenos Aires também fez um discurso de poucos minutos, que incluiu uma reflexão sobre uma Igreja que supera as periferias geográficas e existenciais, convencendo os cardeais. Eleito, tornou-se Francisco.
“O Conclave que elegeu Bergoglio em 2013 — o callejero, padre de “rua” que à noite pegava um ônibus para os subúrbios das villas miserias de Buenos Aires para beber mate com pessoas que talvez não suspeitassem que ele era o arcebispo — estava entre os mais conservadores da memória recente, moldado quase inteiramente durante os pontificados de Wojtyla e Ratzinger, quase trinta e cinco anos de indicações cardeais”, afirmou a reportagem do Corriere della Sera, referindo-se aos cardeais que tornaram-se papa João Paulo II e Bento XVI, respectivamente.
“Os esquemas fracassam, os eleitores estudam uns aos outros nos dias que antecedem a votação e, no final, escolhem uma pessoa”, acrescentou o texto.
Publicado em 2019, o livro Como a América quis mudar o Papa, do jornalista e vaticanista Nicolas Senèze, revela manobras da extrema direita católica dos Estados Unidos para afetar a escolha de um novo pontífice. O conluio incluía a alteração dos perfis dos cardeais na Wikipédia. “Se tivéssemos feito isso antes, talvez não tivéssemos o papa Francisco”, pensavam os rivais de Francisco, segundo a obra.
+ Ao menos 113 dos cardeais que votam no conclave já estão confabulando em Roma
Igreja ‘multipolar’
Mas o jornal italiano apontou que, com o passar dos anos, “tudo ficou ainda mais complicado”. Hoje, o conclave é “multipolar”, um reflexo da política polarizada mundo afora. Nem os grupos continentais ou nacionais são homogêneos, ressalta o Corriere della Sera. Dos dez cardeais americanos com direito a voto, seis foram indicados por Francisco.
Os europeus continuam a representar a maioria relativa, com 53 cardeais. Mas os eleitores da Ásia (23), da América Latina (21), da África (18) e da Oceania (4) serão tão decisivos como os cardeais da Europa e da América do Norte (16).
O contexto de divisão é fértil para o surgimento de notícias falsas, que podem impulsionar ou minar um dos nomes cotados para o papado. Há, segundo o veículo italiano, uma comunidade tradicionalista online “bem organizada e financiada”, que tem potencial de influenciar o resultado do conclave.
Até que a frase “extra omnes” (todos fora) seja pronunciada na Capela Sistina, os cardeais têm acesso a toda sorte de informações – verdadeiras ou não – sobre outros religiosos. O uso de dispositivos eletrônicos, como celulares e computadores, só passa a ser proibido com o início do conclave, na próxima semana. É tempo suficiente para uma profusão de mexericos.