Filipinas elegem filho de ditador à presidência e protestos tomam o país
Ferdinand Marcos Jr., mais conhecido como "Bongbong", é herdeiro do autocrata que governou o país por 20 anos, até ser deposto em 1986
Em apenas uma noite, as Filipinas parecem ter voltado quase 40 anos no tempo. Nesta terça-feira, 10, foi confirmada a vitória retumbante de Ferdinand Marcos Jr., assegurando o retorno da dinastia política mais notória do país. Mais conhecido como “Bongbong”, ele é filho do ditador Ferdinand Marcos, que foi deposto do cargo em 1986.
Quem ficou para trás na corrida eleitoral foi Leni Robredo, uma advogada de direitos humanos que defende grupos desfavorecidos e é a atual vice-presidente. Com 98% dos votos apurados, uma contagem não-oficial mostra que Marcos tem 31 milhões de votos, o dobro de Robredo. É a primeira vez na história das Filipinas que um candidato vence as eleições com maioria absoluta.
Com o histórico autoritário de sua família, o retorno do filho e homônimo do ditador é impressionante. Muitas famílias filipinas ainda se lembram da lei marcial imposta por Marcos-pai em 1972, estendendo-se por nove anos. Durante o período, 3.240 pessoas foram mortas, enquanto dezenas de milhares foram torturadas e presas, segundo a Anistia Internacional.
O nome da família tornou-se sinônimo de roubo, corrupção e vida extravagante – quase US$ 10 bilhões de dólares desapareceram dos cofres do Estado durante o governo, segundo o jornal britânico The Guardian.
Em 1986, o ditador fugiu de helicóptero (escondendo a bordo itens no valor de US$ 15 milhões, incluindo barras de ouro, dinheiro recém-impresso e centenas de joias) para o exílio no Havaí com sua família. Uma revolta do “poder popular” encerrou o governo autocrático de duas décadas. O filho pródigo retornou às Filipinas em 1991, e fez carreira política no Congresso e no Senado desde então.
Embora Marcos, que chega à presidência aos 64 anos, tenha feito campanha sob a bandeira da unidade, analistas políticos dizem que é improvável que sua presidência promova isso, apesar da margem de vitória.
Os mercados filipinos, por exemplo, tiveram desempenho misto após a votação. As ações (.PSI) perderam até 3% em um ponto, os títulos soberanos em dólar caíram, enquanto a moeda peso subiu 0,4% em relação ao dólar.
Muitos que não votaram em Marcos consideram que o herdeiro do ex-ditador está em uma empreitada descarada de usar sua presença potente nas redes sociais para reescrever a história durante os próximos anos em que estiver no poder.
A família Marcos negou irregularidades e muitos de seus apoiadores – um exército de blogueiros e influenciadores de rede social – dizem que os relatos históricos foram distorcidos.
Cerca de 400 pessoas, em sua maioria estudantes, fizeram um protesto contra Marcos do lado de fora da comissão eleitoral nesta terça-feira, 10, alegando irregularidades nas eleições. O órgão de pesquisa rejeitou as queixas apresentadas por diferentes grupos, incluindo vítimas da lei marcial, que tentaram excluir Marcos da corrida presidencial com base em uma condenação por evasão fiscal de 1995.
Dois dos peticionários, incluindo o grupo esquerdista Akbayan, disseram que vão recorrer à Suprema Corte.
Além disso, nas Filipinas, as eleições para presidente e vice ocorrem paralelamente. Marcos não só ganhou o pleito, mas foi vitorioso em garantir a filha do presidente Rodrigo Duterte, Sara Duterte-Carpio, como sua companheira de chapa na vice-presidência. Ela ganhou mais de três vezes o número de votos em comparação com seu rival – e provavelmente também ampliou o apelo de Marcos em muitas áreas.
O grupo de direitos humanos Karapatan pediu aos filipinos que rejeitem a nova presidência de Marcos. Segundo a organização, a campanha foi construída com mentiras e desinformação para repaginar a imagem do herdeiro do ditador.
Enquanto isso, a Anistia Internacional acusou Marcos e seu companheiro de chapa de evitar discutir violações de direitos humanos, incluindo aquelas cometidas sob a lei marcial e durante a sangrenta guerra às drogas do presidente Duterte.
Marcos, que se esquivou de debates e entrevistas durante a campanha, recentemente elogiou seu pai como um gênio e um estadista. E mesmo com o histórico político, o recém-eleito presidente ainda apostou na imagem de outsider, afirmando que é um “político relutante, preguiçoso e despreocupado”.
Robredo, que junto aos seus apoiadores fez uma campanha contra a desinformação eleitoral indo de porta em porta (que é incomum nessa escala), pediu aos seus apoiadores para continuarem a luta pela verdade até a próxima eleição.
“Levou tempo para construir as estruturas de mentiras. Temos tempo e oportunidade para combatê-las e desmontá-las”, disse ela.
Marcos deu poucas pistas na campanha sobre sua agenda política, mas espera-se que acompanhe de perto o presidente Duterte, que favoreceu grandes obras de infraestrutura, laços estreitos com a China e crescimento econômico.