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Fraudes e boicote marcam eleições legislativas na Venezuela neste domingo

Está em jogo no pleito o controle da Assembleia Nacional, o Legislativo do país e o último reduto da oposição à ditadura de Nicolás Maduro

Por Caio Mattos
Atualizado em 6 dez 2020, 08h06 - Publicado em 6 dez 2020, 08h00

A Venezuela realiza eleições neste domingo, 6, para renovar o mandato da Assembleia Nacional, o Legislativo venezuelano e último reduto da oposição liderada pelo autoproclamado presidente, Juan Guaidó, contra a ditadura de Nicolás Maduro. Quando se trata da política da república bolivariana, entretanto, nada é tão simples, e menos ainda democrático.

Dois pontos marcam o pleito deste domingo: múltiplos casos de fraude e o enfraquecimento da oposição de Guaidó, que desde janeiro de 2019 é o presidente da Assembleia Nacional, cujos poderes legislativos foram de facto roubados por um órgão fantoche de Maduro chamado Assembleia Nacional Constituinte.

Fraude eleitoral

A ditadura chavista é notória pela supressão de voto, como denuncia a organização não-governamental Freedom House. Dentre seus diversos meios, a Freedom House destacou em seu relatório deste ano a obrigatoriedade do eleitor se apresentar às urnas portando seu carnet de la patria, um documento de identidade com o qual o venezuelano recebe subsídios do Estado.

Graças também à orientação de uma empresa chinesa, a ZTE, a ditadura desenvolveu um sistema de monitoramento do carnet de la patria que não só permite à ditadura “reter auxílio alimentar e outros serviços de oponentes políticos”, mas também de “coletar uma vasta coleção de dados sobre indivíduos padrões de votação, histórico médico e outras atividades”.

Além disso, o governo decidiu expandir para este pleito o número total de deputados da Assembleia Nacional. De um total de 110 assentos, o órgão passará a ter 277 — uma medida “em direção ao estufamento do Legislativo [com fantoches da ditadura]”, como disse a ONG Human Rights Watch (HRW).

A ditadura ainda chegou a um novo patamar de corrupção eleitoral neste 2020. Entre junho e julho, por meio da Suprema Corte, o governo suspendeu os direitos políticos dos líderes de três partidos da oposição: Voluntad Popular (partido do qual Guaidó faz parte), Acción Democrática e Movimiento Primera Justicia.

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Não apenas isso. A Suprema Corte AINDA nomeou novas lideranças para cada um desses três partidos, em uma ação que, na prática, fragmentou cada uma dessas legendas

Segundo a HRW, os “líderes” que a corte determinou para o Voluntad Popular — Lucila Ángela Pacheco, José Gregorio Noriega e Guillermo Luces— são respectivamente: uma ex-deputada pela legenda da ditadura, o PSUV; um suspeito de corrupção em tentativa de derrubar Guaidó na eleição de janeiro para a presidência da Assembleia Nacional; e um ex-membro expulso do Voluntad Popular por votar em um aliado de Maduro, Luis Parra, naquele mesmo pleito de janeiro, que até hoje é contestado entre Parra e Guaidó.

Enquanto isso, Bernabé Gutiérrez (escolhido pela corte para encabeçar o Acción Democrática) é irmão de um aliado de Maduro na Comissão Eleitoral Nacional, e José Dionisio Brito (Primera Justicia) é acusado de corrupção e votou em Parra para a presidência da Assembleia Nacional.

Oposição enfraquecida

Frente a esse cenário, a oposição a Maduro se rachou entre aqueles que querem boicotar o pleito deste domingo, liderados por Guaidó, e aqueles que não.

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De um lado, Guaidó, além de apelar pelo boicote, convocou uma consulta popular até 12 de dezembro para, supostamente, expor a opinião dos venezuelanos sobre Maduro e as eleições deste domingo, dentre outras questões. O político também alega que continuará a exercer suas funções legislativas mesmo após estas eleições.

Já dentre os opositores de Maduro que pretendem participar das eleições, como Javier Bertucci, líder do partido El Cambio, fala-se em reconciliação nacional e em acordos com os Estados Unidos para flexibilizar as sanções que levaram ao colapso da indústria petrolífera venezuelana.

O cientista político Daniel Hellinger, da Webster University, dos Estados Unidos, explicou em entrevista a VEJA que Guaidó se enfraqueceu, e por conseguinte a sua coalizão de aliados também, devido ao fracasso do autoproclamado presidente em “sua estratégia de recorrer a agentes externos, como o governo americano, para derrubar Maduro por meio de um golpe militar”.

“O envolvimento de Guaidó na malfadada incursão mercenária na costa da Venezuela em maio levou o descontentamento ao ápice”, enfatizou.

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Nesse contexto, desenvolveu Hellinger, “setores da oposição já fizeram claramente algum tipo de acordo com Maduro, possibilitando mudanças de liderança na Assembleia Nacional”. 

Esse acordo entre parte da oposição e a ditadura teria sido o que estimulou Maduro a anunciar neste ano que a Assembleia Nacional voltaria a ter todos os seus poderes Legislativos a partir das eleições deste domingo, enquanto que a Assembleia Nacional Constituinte seria dissolvida ao final de dezembro.

“A estratégia aqui é tirar a ênfase da derrubada imediata de Maduro em favor da construção de força interna por meio de protestos focados de maneira geral nas condições econômicas e sociais no país”, analisou Hellinger.

Demagogia barata

Além de reconciliação nacional e supostos acordos para flexibilizar as sanções americanas, a campanha eleitoral para o pleito deste domingo está cercada de promessas milagrosas, como a instituição de salários em dólar.

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“Se você quiser que recuperemos a economia, se quiser que recuperemos o país, que recuperemos os salários, que recuperemos tudo, tem que sair e votar”, exclamou Maduro em uma de suas convocações durante a campanha. “Temos 12 leis já propostas por vocês”, disse Jorge Rodríguez, o líder do PSUV, a um mar de pessoas, em um comício em 3 de novembro.

A Venezuela passa por uma crise socioeconômica, durante a qual, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, mais de 4 milhões de venezuelanos saíram do país.

Apenas nos últimos cinco anos, o Produto Interno Bruto venezuelano caiu de 323 bilhões de dólares para 48 bilhões de dólares, de acordo com estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI).

(Com AFP)

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