Gaza: a dura volta para casa
Mais de 200 000 desterrados caminharam pelo litoral em direção a seus lares, ou ao que restou deles

A paisagem é desoladora, mas não impediu a eclosão de genuína alegria durante a volta dos palestinos para o norte da Faixa de Gaza, ao amanhecer da segunda 27. Mais de 200 000 desterrados caminharam pelo litoral em direção a seus lares, ou ao que restou deles, já que 80 000 casas viraram escombros, segundo a ONU, após quinze meses de ofensiva militar das forças de defesa israelense, em resposta aos ataques terroristas do Hamas em outubro de 2023. A abertura do trajeto, prevista no frágil cessar-fogo, foi adiada por dois dias. O motivo: os líderes do Hamas demoraram a cumprir o acordo de soltura de reféns e mantinham um civil em cativeiro — condição inegociável. O acesso pelo corredor de Netzarim, que divide o norte e o sul do território, só foi liberado depois que o grupo concordou, enfim, em prosseguir com as libertações. O nível de tensão das conversas, aliás, subira com a afirmação de Donald Trump de que pretende “limpar” Gaza e alocar os refugiados em nações vizinhas, como Egito e Jordânia. O plano, apoiado por Benjamin Netanyahu, prevê assentamentos provisórios, mas foi prontamente rechaçado pelos países árabes e pelos deslocados. Os gestos de “V” de vitória e os reencontros emocionados durante a peregrinação deram o recado: a multidão andarilha quer voltar a ocupar o enclave às margens do Mar Mediterrâneo. “Reconstruiremos nossas residências, nem que seja com lama e areia”, disse a jovem Lamees al-Iwady, 22 anos, em meio a cânticos de “Deus é maior”. Será mesmo um difícil e tenso recomeço.
Publicado em VEJA de 31 de janeiro de 2025, edição nº 2929