A Rússia realizará eleições presidenciais no próximo domingo. Ainda que as questões LGBT não estejam na agenda dos principais candidatos, inclusive do atual presidente Vladimir Putin, no fundo, a discussão sobre os direitos dos homossexuais é central para a estabilidade do governo russo.
Evidência disso é um vídeo de propaganda da campanha de Putin que se tornou viral a menos de um mês da votação. As imagens mostram uma realidade alternativa sem o atual presidente, em que o governo recém-eleito apoia abertamente os direitos LGBT. O objetivo é “assustar” os eleitores que podem apoiar políticas mais liberais.
Gays, lésbicas, bissexuais e transexuais sofrem constante perseguição, agressões e humilhações no país, ainda que a homossexualidade tenha sido descriminalizada em 1993. A situação só piorou desde que a chamada “lei de propaganda gay” foi aprovada pelos legisladores locais em 2013. A norma proíbe a distribuição para menores de idade de conteúdos que defendam os direitos LGBT ou equiparem relacionamentos heterossexuais a homossexuais.
A homofobia tem sido patrocinada pelo governo por meio das próprias leis e por programas televisivos e propagandas. “Nos canais estatais os homossexuais são apresentados como pervertidos, agentes estrangeiros infiltrados ou pessoas doentes que devem ser curadas”, diz a ativista Svetlana Zakharova, membro do conselho da Russian LGBT Network (Rede Russa LGBT), uma das maiores organizações do setor no país.
Pessoas agredidas física e verbalmente não possuem nenhuma garantia legal e muitas vezes não reportam os ataques por medo de serem ridicularizados pela polícia. “A homofobia está em todo o lugar, na política, nas ruas, nos locais de trabalho, na família, entre os amigos”, diz Svetlana. “É impossível se assumir publicamente e não enfrentar algum tipo de violência e discriminação na Rússia.”
Há também uma epidemia de infecções pelo vírus HIV no país, que muitos acreditam ser fruto das políticas anti-gay do governo. Há muita desinformação sobre as formas de contaminação e quase nenhuma campanha sobre o tema. Além disso, muitos homossexuais têm tratamento negado nos poucos centros de cuidado médico dedicados à doença.
“É impossível se assumir publicamente e não enfrentar algum tipo de violência e discriminação na Rússia”
Svetlana Zakharova, ativista
Fuga
Diante de tanta intolerância e violência, muitos gays, lésbicas e transexuais decidiram deixar a Rússia nos últimos anos. Famílias com crianças tiveram de fugir, com medo de que a custódia de seus filhos fosse retirada pelas autoridades, como em muitos casos registrados nos últimos anos.
Os Estados Unidos têm sido o principal destino, já que o país concede refúgio a homossexuais perseguidos com mais facilidade do que, por exemplo, a União Europeia. Lyosha Gorshkov é co-presidente da organização RUSA LGBT, que acolhe pessoas vindas da Rússia e de outras ex-repúblicas soviéticas em território americano. A instituição concede serviços legais, cuidados médicos e ajuda a integrar e socializar os imigrantes no novo país.
Gorshkov deixou a Rússia em 2014 após ser humilhado publicamente, perseguido por grupos conservadores e sofrer violência física. PhD em ciência política, lecionava estudos de gênero e da comunidade LGBT na Universidade Estadual de Perm, uma cidade no nordeste da parte europeia do país.
Como figura pública e professor abertamente gay, foi acusado de traição, por promover conteúdo sodomita e fazer propaganda de valores ocidentais após a promulgação da lei de propaganda homossexual em 2013.
“Fui abordado por agentes do serviço secreto que tentaram me recrutar para que eu reportasse outros homossexuais”, conta, dizendo que sofreu muitas ameaças, principalmente depois que um artigo escrito por um neonazista exigindo sua demissão da universidade foi publicado.
”Grupos homofóbicos e neonazistas começaram a me seguir, eu recebia muitas ameaças por telefone e nas redes sociais”, afirma o professor, que já havia sofrido dois ataques anos antes, ao ser abordado na rua e espancado com tacos de beisebol, socos e chutes. “Se eu não fugisse corria grandes riscos de sofrer mais violência e até de ser assassinado”, diz.
Chechênia
Se assumir publicamente nas grandes cidades e centros desenvolvidos da Rússia, como Moscou e São Petersburgo, é um pouco mais seguro. É no interior do país que os casos mais graves de homofobia e a maior parte dos ataques são registrados.
O caso da Chechênia, uma das repúblicas da Federação Russa no Cáucaso, se difundiu nos noticiários mundiais no ano passado após uma série de acusações de ativistas e organizações de direitos humanos.
A região muçulmana sempre registrou casos de violência contra homossexuais, porém entre março e maio de 2017 a perseguição se intensificou, com relatos de homens sendo mantidos nos chamados “campos de concentrações gay” pelas autoridades e policiais locais. Segundo as denúncias, foram centenas de pessoas torturadas com espancamento, choques elétricos e estupros, além de dezenas de assassinatos. E a perseguição continua ocorrendo.
O governo local não nega a violência — mas nega a existência de homossexuais na província. O líder checheno Ramzan Kadyrov é há muito acusado por várias organizações de direitos humanos de detenções arbitrárias e de tortura de opositores, além de intolerância com minorias.
As autoridades chechenas não são as únicas a perseguir a comunidade LGBT na região. As próprias famílias, tomadas pela “vergonha” de terem um parente gay, lésbica ou bissexual em uma sociedade extremamente religiosa e conservadora, denunciam, agridem e até matam os próprios familiares.
Uma investigação foi instalada pelo governo russo para apurar os crimes, mas até agora nenhum avanço foi feito e as perspectivas de punição não são nada otimistas, já que Kadyrov é considerado aliado de Putin. O político radical mantém a região protegida dos líderes separatistas em troca de vista grossa do presidente.
Segundo a Russian LGBT Network, pelo menos 160 pessoas que sobreviveram à horrível perseguição em massa conseguiram fugir da Chechênia. Entre elas, 106 deixaram a Rússia. Contudo, centenas de homossexuais ainda vivem escondidos, sob constante ameaça de violência e intolerância na região.