Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana

Governo do Japão lança aplicativo de paquera para estimular casamentos

O país que abriga a população mais idosa do planeta arranjou um jeito de estimular o nascimento de bebês

Por Amanda Péchy
Atualizado em 4 jun 2024, 15h15 - Publicado em 1 nov 2019, 06h00

Governos cuidam de economia, segurança, educação, saúde e, no Japão, dedicam-se ainda a uma função insólita: estimular casamentos. Parece estranho, mas é só o começo. Na Terra do Sol Nascente, 43 das 47 prefeituras lançaram aplicativos de paquera no estilo do Tinder para facilitar encontros. Se os usuários derem match (para usar o termo comumente empregado nessas redes), podem acabar no altar. O que move o Estado nessa direção é uma constatação que tem deixado os japoneses preocupados, como se o rastilho de uma bomba estivesse aceso — em 2019, pelo sexto ano consecutivo, houve queda nos registros de casórios (veja o quadro). Pouco mais de 580 000 foram selados em 2018, o menor índice desde a II Guerra. Por que o governo se incomoda tanto com isso? A demografia tem a resposta: menos uniões significam menos bebês, o que, para uma nação que vem perdendo meio milhão de habitantes por ano e concentra o maior porcentual de idosos do planeta (eles representam um terço da população), é um terremoto com potência para abalar os planos de crescimento do país.

A busca por uma cara-metade na internet ganhou até nome: konkatsu, uma variação de shukatsu, a procura por emprego. Embora os pioneiros aplicativos tenham surgido há dez anos, apenas agora se disseminaram e se sofisticaram, dando conta de juntar gente que vive em todo o território. Esse é, aliás, um objetivo declarado desses apps, que miram atenuar o desequilíbrio entre homens e mulheres em um pontilhado de cidades de menor porte. “Nesses lugares, os homens ficam para perpetuar os negócios da família em atividades como a agricultura, enquanto as mulheres, sem oportunidades, migram para os grandes centros atrás de trabalho”, diz o sociólogo Hiroshi Onu, da Universidade Hitotsubashi. Esse unmatch (ou desencontro, para sair do jargão) está na raiz do esvaziamento de regiões inteiras, onde a população encolhe 1% ao ano. Em certos vilarejos ninguém tem menos de 70 anos e imperam as chamadas “ruas das venezianas”. Como as lojas não abrem, elas estão sempre fechadas.

O Japão conserva uma tradição milenar de casamentos arranjados, intermediados por alguém de respeito na comunidade que examina o passado das famílias do noivo e da noiva e seu status social (o do homem deve ser superior ao da mulher). Essa prática, que já não se vê em cidades grandes como Tóquio e Osaka, está rareando também no campo — e é aí que entram os aplicativos, versão moderna, digamos assim, do bom e velho casamenteiro. “Esperamos que as pessoas entrem no aplicativo e decidam morar e casar-se em Akita”, diz Rumiko Saito, do Centro de Suporte ao Casamento (eis o nome do departamento) do município, que fica no norte do país.

idosos se exercitando
FALTAM BRAÇOS – Idosos em Tóquio: a economia se ressente (Tomohiro Ohsumi/Getty Images)

Mas algumas tradições muito anteriores à internet e mais ainda ao Tinder persistem e contribuem para que os jovens adiem a troca de alianças — ou mesmo desistam do anel. “O homem se sente obrigado a desempenhar o papel de provedor do lar e, como os salários estão achatados, muitos não se veem aptos para o casamento”, observa Kumiko Namoto, especialista em gênero da Universidade de Kioto. Já as mulheres têm fugido do altar para evitar um destino que lhes soa incontornável: viver limitadas às tarefas domésticas. Houve outro momento na história japonesa em que o governo deu um empurrãozinho (ou seria pressão?) aos pombinhos: “Deem à luz e multipliquem-se pela nação” era o slogan de uma campanha que visava reanimar as taxas de natalidade, derrubadas pela II Guerra. Naquela época não havia o peso das arrepiantes projeções de hoje — a população nipônica deve diminuir de 126 para 95 milhões em cinquenta anos, quando quatro de cada dez cidadãos terão passado da barreira dos 60 anos.

Continua após a publicidade

Todo esse caldo demográfico começa a entornar sobre a economia, que se ressente da falta de braços e cérebros. Não existe hoje no Japão gente em número suficiente para preencher as vagas de emprego, e o país (outra tradição) nunca foi afeito à ideia de abrir suas portas à imigração. O governo até elaborou um pacote de medidas para suavizar o batente dos casais com um bebê: a ideia é ampliar o número de creches e fazer uma reforma nas regras trabalhistas, de modo a que fiquem mais amigáveis para os que têm filhos. Quem sabe mais pessoas não se animam? Por ora, o Japão encabeça a tendência mundial de queda da natalidade — a média atual é de 1,4 nascimento por mulher, abaixo da chamada taxa de reposição de duas crianças por casal, necessária para que a população não mingue. Daí a função de cupido dos governantes, que ainda organizam tours para a zona rural com o propósito declarado de elevar as chances de encontros amorosos. Feito isso, é cruzar os dedinhos e torcer por um match.

casamento-japão
(./.)

Publicado em VEJA de 6 de novembro de 2019, edição nº 2659

Publicidade

Imagem do bloco

4 Colunas 2 Conteúdo para assinantes

Vejinhas Conteúdo para assinantes

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.