Cabelos desgrenhados, longa barba branca, algemado e aos gritos de “Não vou sair. Sou inocente”. Foi assim que Julian Assange, o jornalista australiano e fundador do WikiLeaks, saiu carregado pela polícia, na quinta-feira 11, da Embaixada do Equador em Londres, onde se enfurnara sete anos atrás, ao descumprir uma ordem judicial para se apresentar à Justiça. Mais do que escapar das autoridades britânicas, Assange queria fugir do risco de acabar sendo deportado para os Estados Unidos — ele está na mira do governo americano desde 2010, quando sua organização vazou milhares de documentos confidenciais sobre as guerras no Afeganistão e no Iraque. Prisão agora efetivada, o governo dos EUA imediatamente pediu sua extradição.
Assange chegou a ser considerado uma espécie de Robin Hood da informática por revelar abusos cometidos pelos militares americanos. A primeira divulgação foi um vídeo no Iraque em que soldados atiraram de um helicóptero, matando dezoito civis em terra. Depois vieram 92 000 documentos secretos sobre a Guerra do Afeganistão, 391 000 sobre a Guerra do Iraque e 250 000 sobre a diplomacia dos Estados Unidos em distintas embaixadas. Washington o acusa de ter ajudado a ex-analista de inteligência Chelsea Manning a quebrar senhas sigilosas em computadores da Defesa e a divulgar o vasto material confidencial repassado por ela. Na época, Chelsea era Bradley Manning, ex-soldado que mudou de gênero e nome e cumpriu sete anos de prisão, até ter a pena comutada por Barack Obama.
Quando se refugiou na embaixada equatoriana, com a proteção do então presidente do Equador, Rafael Correa, que o considerava “um herói”, o enrolado Assange buscava afastar ainda a ameaça de prisão de um terceiro país sobre sua cabeça: a Suécia, onde foi aberto o primeiro processo contra ele, sem relação nenhuma com o WikiLeaks — duas mulheres o acusaram de abuso sexual. Já nessa época Assange se disse inocente e afirmou que a real intenção do governo sueco era extraditá-lo para os Estados Unidos, onde corria o risco de ser julgado por conspiração, como vilão. Os processos suecos prescreveram, mas ele permaneceu na embaixada equatoriana.
Sua relação com o governo do Equador azedou quando o novo presidente, Lenín Moreno, tomou posse. Nos últimos tempos, os diplomatas da embaixada reclamavam das grosserias do hóspede. A gota d’água parece ter sido uma tentativa de hackear o telefone do próprio Moreno. Mesmo refugiado, Assange continuou na ativa. Em 2013, o WikiLeaks ajudou Edward J. Snowden, o ex-contratado do governo dos EUA que também divulgou documentos secretos, a se exilar na Rússia. O WikiLeaks voltou ao noticiário durante a campanha presidencial americana, em 2016, por publicar milhares de e-mails do comitê do Partido Democrata que poderiam comprometer Hillary Clinton.
Assange não escondeu que o vazamento prejudicaria a democrata, mas negou qualquer intenção de ajudar a campanha de Donald Trump. A Justiça americana decidiu recentemente que o australiano não será julgado por espionagem. Se for extraditado e condenado por ajudar no vazamento de documentos secretos, ele poderá pegar até cinco anos de prisão. Para quem já passou sete anos entre quatro paredes, em uma embaixada, até que não é tão mau assim.
Publicado em VEJA de 17 de abril de 2019, edição nº 2630
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