Hungria não é mais uma democracia plena, diz Parlamento Europeu
Em votação que não tem valor prático, eurodeputados disseram que país se tornou um regime híbrido de autocracia eleitoral
O Parlamento Europeu disse nesta quinta-feira, 15, que a Hungria não pode mais ser considerada uma democracia plena, em uma votação simbólica contra o governo de Viktor Orbán.
Em uma resolução apoiada por 81% dos deputados presentes, o parlamento afirmou que o país se tornou um “regime híbrido de autocracia eleitoral”, citando uma ruptura na democracia, nos direitos fundamentais e no Estado de direito.
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Embora a votação não tenha valor prático, há a expectativa de um aumento na pressão sobre as autoridades da União Europeia para não desembolsar bilhões de euros para a Hungria, que no momento está retido por preocupações sobre corrupção.
O governo húngaro está lutando para convencer a Comissão Europeia a liberar cerca de 4,6 bilhões de euros, o equivalente a mais de 24 bilhões de reais, em fundos de recuperação da Covid-19, congelados há mais de uma ano. Além disso, Budapeste também está tentando impedir um procedimento legal que pode levar a deduções de 24,3 bilhões de euros de fundos para desenvolvimento econômico e infraestrutura.
A Comissão Europeia deverá propor um corte de 70% destes fundos já no próximo domingo, 18, devido a possíveis irregularidades contratuais. Em documento interno recente, funcionários da comissão apontaram que havia um risco significativo sobre a gestão de fundos da União Europeia pela Hungria, citando violações de regras e um alto número de contratos concedidos a um único licitante. O relatório, que foi removido do site, sugere que o corte de 70% é “proporcional” ao risco.
O governo húngaro terá até novembro para colocar a casa em ordem. Após a votação simbólica, espera-se que Orbán anuncie já na próxima semana uma série de leis para combater a corrupção no país. Analistas mais críticos, no entanto, alertam para o fato de que a União Europeia aceite qualquer mudança “cosmética” para acalmar os conflitos sobre os fundos do bloco.
Ao jornal britânico The Guardian, o porta-voz da Comissão Europeia disse que o órgão está analisando as “medidas corretivas” apresentadas pela Hungria e que o próximo passo será dado já no próximo dia 21.
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A resolução do Parlamento Europeu, que aponta “os riscos de clientelismo, favoritismo e nepotismo na administração pública de alto nível”, no entanto, dificultará qualquer redução da proteção dos fundos da UE.
A eurodeputada francesa que redigiu a resolução, Gwendoline Delbos-Corfield, descreveu as conclusões como claras e irrevogáveis.
“A Hungria não é uma democracia. Era mais urgente do que nunca que o parlamento tomasse essa posição, considerando a taxa alarmante em que o estado de direito está retrocedendo no país”, disse, acrescentando que “a grande maioria dos eurodeputados que apoiam esta posição no Parlamento Europeu é sem precedentes”.
Dos 534 presentes para a votação, 433 votaram a favor, 123 votaram contra e 28 se abstiveram. A grande maioria foi influenciada pela decisão de Orbán em deixar o Partido Popular Europeu em 2021. A sigla de centro-direita da Europa havia oferecido certa proteção contra votos críticos, mas o primeiro-ministro húngaro optou por deixar o partido antes de ser expulso.
A resolução desta quinta ocorre quatro anos depois que os eurodeputados votaram para aplicar uma ação disciplinar contra a Hungria, uma decisão que, em última análise, está nas mãos dos 26 Estados membros da União Europeia. No entanto, a grande maioria optou por não entrar em grandes conflitos com Budapeste.
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Os eurodeputados não têm poder para negar fundos à Hungria e por isso culparam a inação da Comissão Europeia em tomar ações concretas para frear o avanço de Orbán. Segundo eles, a situação no país chegou a esse ponto devido à falta de uma ação decisiva do bloco.
A acusação foi baseada em relatórios do Conselho Europeu e na jurisprudência do tribunal europeu de direitos humanos separado. Também foi citado o veredito da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, que informou em abril que a eleição da Hungria, que devolveu Orbán ao poder por um quarto mandato consecutivo, foi “marcada pela ausência de condições equitativas”.
Além disso, o relatório apontou ainda preocupações acerca do sistema judiciário húngaro após inúmeras mudanças feitas pelo primeiro-ministro, que inclui a nomeação de juízes da Suprema Corte fora dos procedimentos normais.
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A medida, no entanto, foi contestada por alguns deputados de extrema-direita. Em declaração incluída no projeto de resolução, eles argumentaram que as conclusões foram “baseadas em opiniões subjetivas e declarações politicamente tendenciosas” que refletiam “preocupações vagas, julgamentos de valor e padrões duplos”.