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Independência da Catalunha: delírio do nacionalismo europeu?

Há mais de um século a região do sudeste espanhol quer mais autonomia, mas a realização de um referendo legal sobre o tema parece pouco provável

Por Julia Braun, de Barcelona
19 jul 2017, 18h32
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  • No início de julho, o presidente e líder separatista da Catalunha, Carles Puigdemont, anunciou oficialmente a realização de um referendo sobe a independência da região do resto da Espanha, a ser realizado em 1º de outubro. A consulta popular enfrenta forte resistência do governo central e é vista por grande parte da imprensa e do país como “um delírio” que, além de ilegal, nunca vai se concretizar. Porém, em tempos de Brexit e fortalecimento acentuado dos movimentos nacionalistas na Europa, o medo da separação catalã ainda paira sobre o continente.

    Os principais líderes da União Europeia decidiram não tomar partido na questão, que acreditam ser exclusivamente doméstica. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, no entanto, assegurou na semana passada que em caso de separação da Espanha, a Catalunha sairia automaticamente do bloco.

    O governo de Mariano Rajoy, primeiro-ministro espanhol, argumenta que um referendo para decidir sobre a independência de qualquer uma das regiões do país é ilegal e vem usando o instrumento jurídico para impedir sua realização. Essa é a posição de Madri desde 2014, quando outra tentativa de consulta popular acabou com a perda por dois anos do mandato público eletivo do presidente catalão da época, Artur Mas, e a anulação da votação por conta do baixo comparecimento às urnas – somente 37% da população participou do referendo.

    A Constituição espanhola, aprovada por 90% dos eleitores catalães em 1978, concede grande autonomia às regiões do país e se refere à Catalunha como “nacionalidade histórica”, além de reconhecer seu direito à autonomia. No entanto, afirma a “indissolúvel unidade da Espanha” e proíbe a realização do referendo.

    Ainda assim, o governo catalão insiste que a reivindicação é legítima e pretende declarar a sua separação nas primeiras 48 horas após vitória na votação. Além disso, usa a conquista da maioria absoluta dos assentos no Parlamento local (72 deputados independentistas de um total de 135) nas últimas eleições para legitimar o referendo.

    “Se produz assim um contraste clássico entre uma legitimidade constitucional e uma legitimidade democrática que nem as leis, nem os autores políticos atuais parecem capazes de superar”, diz o professor de ciência política na Universidade Pompeu Fabra, o espanhol Lluis Ferran Requejo. O conflito é acentuado pela posição inflexível de Puigdemont e seu gabinete, que insistem em realizar o referendo em outubro, sem qualquer possibilidade de alteração ou prorrogação da data.

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    Por que a Catalunha quer a independência?

    Os impulsos pela independência existem desde o século XIX, mas cresceram de forma contundente a partir do ano de 2010 até conquistarem aproximadamente metade da população regional. Atualmente, entre 45 e 55% dos catalães querem a independência e algumas das principais razões para o movimento são econômicas.

    A região do nordeste da Espanha é uma das mais ricas do país, responsável por aproximadamente 20% do PIB nacional. Existe uma crença incentivada pelos separatistas segundo a qual os cidadãos gastam mais com o governo central do que recebem de volta. De fato, a Catalunha é a região que mais paga impostos e cujo custo de vista é um dos mais caros do país. Porém, segundo os informes oficiais da vice-presidência e do Departamento de Finanças Nacional, a região “paga em impostos (19%) o mesmo que contribui para o PIB (19%) e recebe uma quantidade (15,08%) próxima a sua porcentagem da população (16%)”. O argumento não é aceito por muitos dos principais representantes separatistas.

    Além disso, a crise dos últimos anos e alguns casos de corrupção ajudaram a impulsionar o grande descontentamento com a política.

    O convívio cada vez mais agressivo entre o governo catalão e o espanhol também é visto como um motivo para o desmembramento. “Se a independência for colocada em prática, depois de alguns poucos meses de tensão, a relação pode ser melhor que a atual, com um tratamento bilateral baseado em uma posição de igual dignidade política”, diz o professor de sociologia da Universidade  Autónoma de Barcelona e membro do Conselho Consultivo do Governo de Transição Nacional da Catalunha, Salvador Cardús.

     

    Pessoas se juntam em praça no centro de Barcelona para manifestar intenção separatista da Catalunha, na Espanha
    Pessoas se juntam em praça no centro de Barcelona para manifestar intenção separatista da Catalunha, na Espanha (Albert Gea/Reuters)
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    Muitos cidadãos também acreditam que a região não recebe tratamento justo e compatível com seus status autônomo da administração central. “As relações já estão muito desgastadas e não vejo mais possibilidade de retomar ou recriá-las. Os vínculos econômicos, políticos e culturais são insustentáveis”, diz a professora natural de Barcelona Pilar Pozuelo.

    Porém, diferente do impulso nacionalista e populista que cresce no Reino Unido, França e outros países europeus, o independentismo catalão é também um movimento cultural. Muito se fala, inclusive, sobre o chamado catalanismo, uma necessidade dos cidadãos da região em se diferenciarem do resto do país e exaltarem seus costumes e lendas próprias para o resto do mundo.

    Em Barcelona, os símbolos nacionalistas estão por toda parte, inclusive em sua arquitetura modernista única. A cruz de São Jorge, personagem religioso cristão exaltado como o cavaleiro corajoso que no passado salvou a princesa e a cidade contra a invasão de um dragão, é estampada em monumentos, prédios e igrejas. O monstro da lenda espanhola é associado especialmente à figura do estrangeiro que deseja acabar com sua liberdade e autonomia.

    Nas ruas, estradas e estações de metrô, se lê o catalão sempre em primeiro lugar. A língua é a oficial da região, junto ao castelhano. Com o fim do regime ditatorial de Francisco Franco, em 1975, e a restauração da democracia em todo o país, o idioma passou a ser usado na política, educação e nos meios de comunicação.

    Porém, nem todos os moradores compartilham do sentimento nacionalista. É o caso da auxiliar administrativa Marigel Bueudía, que vive na Catalunha há 32 anos. “Compreendo a ação dos independentistas, mas não me identifico. Creio que seus motivos sejam mais econômicos e políticos atualmente do que qualquer coisa”, diz.

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    O referendo vai acontecer?

    De acordo com as últimas pesquisas de opinião, a grande maioria da população catalã é favorável à realização da consulta popular, mesmo que não apoie a independência. “Se o Estado permitir que o referendo se realize legalmente, em toda a Espanha, porque não? Mas fazer uma votação unilateral e alternativo é burlar o sistema”, diz Marigel.

    Porém, a opinião de grande parte dos especialistas é de que a realização de uma votação legítima, legal e organizada até outubro não passa de um sonho impossível. Há muitas questões burocráticas a serem resolvidas, como arrecadações de fundos, compra de urnas e organização das forças policiais e outras formas de segurança.

    Além disso, ao que tudo indica faltarão padrões de reconhecimento internacionais. “O referendo não cumpre os padrões internacionais para sua realização com garantias e viola o direito de voto e participação política de todos os espanhóis”, diz a professora de direito internacional da Universidade Autónoma de Barcelona (UAB) e ex-presidente da Societat Civil Catalana, organização contrária ao independentismo.

    O movimento catalão e o nacionalismo separatista europeu

    À semelhança da Catalunha, a Escócia também vive uma forte campanha interna para a separação de seu território do Reino Unido. O movimento nacionalista local quer retornar à sua condição de autonomia de 1707, quando passou a fazer parte da união política.

    Nos dois casos, há uma clara insatisfação popular com a falta de políticas ou mecanismos legais internos que permitam ao governo reconhecer o pluralismo nacional e, dessa forma, conceder mais autonomia às administrações regionais. “No entanto, a situação da Catalunha é a que demonstra os maiores déficits de reconhecimento, tanto em termos liberais como democráticos”, diz Ferran Requejo, da Universidade Pompeu Fabra.

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    Desde a aprovação em referendo da saída do Reino Unido da União Europeia, os escoceses viram a oportunidade de concretizar sua reivindicação. O Parlamento local já aprovou a realização de uma consulta popular interna sobre a independência, mas assim como na Catalunha parece muito improvável que a votação ocorra com o apoio do governo central. Além da Escócia,  outros dois territórios britânicos resistem movimentos em prol de maior autonomia: País de Gales e Irlanda do Norte.

    Dentro da Espanha, outro impulso semelhante também ganhou força anos atrás. O País Basco, localizado na região norte, busca sua separação desde 1959. O grupo terrorista  ETA (sigla para País Basco e Liberdade) conduziu uma luta armada pelo desejo de independência dos espanhóis e dos franceses (os territórios de Baixa Navarra, Lapurdi e Zuberoa estão localizados no outro país europeu) até 2011, quando anunciou o fim do conflito. Apesar do desaparecimento da organização como ator político e agente de violência, o sentimento separatista ainda persiste, propagado por alguns partidos políticos e candidatos nacionalistas.

     

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