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Índia reduz disparidades sociais e coleciona triunfos – em ritmo chinês

Os indianos desbancam os chineses como maior população do mundo. Lá, jovens instruídos estão transformando o país em uma potência econômica

Por Ernesto Neves, Caio Saad Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h57 - Publicado em 15 abr 2023, 08h00
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  • Dona de uma impressionante coleção de títulos vistosos, a China acaba de perder um deles — o de nação mais populosa do planeta, que mantinha havia séculos. Segundo cálculos da ONU, na sexta-feira 14 a Índia, maior rival dos chineses na Ásia, conquistaria o topo do pódio, contabilizando exatos 1 425 775 850 habitantes. A inédita mudança vai muito além da cifra de dez dígitos. Dando mostras de que está sabendo aproveitar as benesses do bônus demográfico — a janela de oportunidades em que a fatia populacional apta a trabalhar é maior do que a não produtiva —, a Índia reduz suas disparidades sociais e coleciona estatísticas positivas em ritmo, digamos, chinês. Ao longo da última década, a economia indiana se expandiu 40% e o PIB alcan­çou 3,5 trilhões de dólares anuais, o quinto maior do planeta, desbancando inclusive o do Reino Unido, de quem foi colônia. Estima-se que até o fim da década o país chegue ao terceiro lugar, atrás apenas de EUA e China, como resultado da injeção de 30 bilhões de dólares em áreas prioritárias, como as de semicondutores e tecnologias de baixo carbono.

    A mudança demográfica tem origem na forma com que indianos e chineses lidaram com a superpopulação nos anos 1970. Enquanto o Partido Comunista chinês baixava a desastrosa obrigatoriedade do filho único, os indianos optaram por políticas democráticas de planejamento familiar, com vasta campanha de esclarecimento e distribuição gratuita de preservativos e anticoncepcionais. A fertilidade baixou gradativamente até chegar ao nível atual de 2% ao ano, alto para os padrões ocidentais, mas longe de provocar a explosão populacional temida no passado. Quando atingir o pico de habitantes, provavelmente em 2064, a Índia terá 1,7 bilhão de pessoas, 50% a mais do que a China — onde o estímulo a famílias maiores chegou tarde demais e, no ano passado, foi registrada a primeira queda na população em sessenta anos. “As políticas indianas foram muito mais engenhosas porque vão permitir um longo período de transição demográfica. Isso é muito benéfico à economia”, diz Tim Dyson, demógrafo da London School of Economics.

    LÁ E CÁ - O populista Modi: expansão econômica e retrocesso nas liberdades democráticas
    LÁ E CÁ - O populista Modi: expansão econômica e retrocesso nas liberdades democráticas (Sajjad Hussain/AFP)

    No mundo, hoje, uma em cada cinco pessoas com menos de 25 anos está na Índia. Mais promissor ainda, trata-se de uma força de trabalho instruída — só os cursos de engenharia formam meio milhão de novos profissionais anualmente — e capacitada para irrigar setores estratégicos. Na área de infraestrutura, a péssima conexão entre as cidades vem sendo superada com a construção de 10 000 quilômetros de novas rodovias todo ano, enquanto a malha ferroviária, notoriamente decrépita e superlotada, ganha o reforço de locomotivas de alta velocidade, incluindo trens-bala japoneses. No crucial meio digital, a Índia é responsável por 15% de todos os serviços de tecnologia da informação prestados no mundo e soma 108 unicórnios, como são chamadas as startups que atingem valor de 1 bilhão de dólares, antes de abrirem capital. “A Índia é a maior fonte mundial de novos talentos no setor digital”, crava Shruti Rajagopalan, economista da Universidade George Mason, nos Estados Unidos.

    Não bastasse o turbilhão desenvolvimentista interno, a Índia, historicamente equidistante das duas potências atuais mas atolada em uma eterna disputa com Pequim em torno da região da Caxemira, encontra-se em posição particularmente promissora para atrair investimentos internacionais e vem facilitando a instalação de empresas e fábricas ocidentais interessadas em fugir da rixa entre americanos e chineses. Muito a propósito, a Apple, com a presença do CEO Tim Cook em pessoa — que cogita transferir para lá etapas da fabricação de seus produtos —, inaugura neste mês, com dois dias de intervalo, suas primeiras lojas na Índia, em Mumbai e Nova Délhi.

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    arte Índia

    A pujança econômica contrasta com o retrocesso político comandado pelo primeiro-ministro Narendra Modi, populista de direita à moda antiga que desfruta de grande popularidade graças à farta distribuição de agrados e à incitação do nacionalismo na maioria hindu. Modi manipula a Justiça com a promoção e o ostracismo de juízes e assim, por meio de mandados e buscas supostamente legais, consegue controlar a imprensa e instituições civis. Rahul Gandhi, líder do Congresso Nacional, que governou o país por décadas e está à frente do principal partido de oposição, foi condenado neste mês a dois anos de prisão por haver insinuado, na campanha de 2019, que Modi é sinônimo de ladrão; ele aguarda o julgamento de recurso em liberdade, mas pode ser impedido de disputar a eleição de 2024. Uma Lei de Segurança Pública autoriza a prisão preventiva de suspeitos de atos contra o governo por até dois anos. A minoria muçulmana — 15% da população, ou 200 milhões de pessoas — é perseguida e atacada, em um clima de permanente tensão religiosa. Livros escolares foram reescritos, para extirpar a herança islâmica na história. Recentemente, um deputado do BJP, o partido de Modi, resolveu defender a demolição do Taj Mahal, extraordinário mausoléu que é patrimônio da humanidade e foi erguido no período de dominação muçulmana da região. Equilibrando-se entre o avanço e o retrocesso, a Índia vai desbravando o seu futuro.

    Publicado em VEJA de 19 de abril de 2023, edição nº 2837

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