Israel: 3ª eleição sem que nenhum partido garanta maioria no Parlamento
Enquanto isso, o super-Netanyahu se enfraquece
Entra mês, sai mês e Israel continua com um governo que funciona em marcha lenta, com poderes limitados, à espera de uma nova eleição, em 2 de março. Será a terceira: duas votações neste ano, uma em abril, a outra em setembro, acabaram sem que um partido conseguisse maioria clara ou ao menos costurar uma coalizão que lhe desse poderes para formar um gabinete e iniciar o mandato. Por inércia, segue no cargo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que fez fama como o mágico dos recomeços — mas que, atolado em contratempos, parece estar perdendo os celebrados superpoderes. Líder inconteste da política israelense durante seus mais de dez anos à frente do governo, Bibi, como é chamado, ganhou um adversário de peso no atual interregno: o xará Benny Gantz, general reformado novato na política, com quem disputou cabeça a cabeça os dois pleitos inconclusivos de 2019. Em novembro, Bibi passou pelo dissabor de ser indiciado em três inquéritos. Agora, outro baque: Gideon Saar, ex-ministro e político popular de seu partido, o Likud, desafia a liderança.
O partido de Gantz, o Azul e Branco, perdeu a votação de abril para o Likud, mas levou a melhor no repeteco de setembro. Ainda assim, nenhum dos dois foi capaz de reunir a maioria de 61 assentos no Knesset, o Parlamento israelense. Netanyahu aventou um governo de união, em que cada um deles se revezaria no posto de primeiro-ministro, porém Gantz recusou a proposta, alegando que não iria se sujeitar a dividir o poder com alguém enrolado na Justiça. Netanyahu foi indiciado por fraude, suborno e quebra de confiança, acusado de haver trocado favores por coberturas favoráveis na imprensa e de ter recebido o equivalente a 820 000 reais em presentes — joias, caviar, champanhe — de um produtor de Hollywood.
Em Israel, os parlamentares não têm imunidade, porém podem pedi-la ao Parlamento ao conseguir provar que o processo é motivado por interesses políticos ou prejudicial ao funcionamento do Knesset. Netanyahu deve encaminhar o pedido nos próximos dias. Mas ele não será votado — decisões desse tipo estão entre os atos que um Legislativo de um governo interino não pode tomar. Enquanto o assunto estiver pendente, os processos ficarão parados. E Bibi ganhará tempo para angariar apoio entre os parlamentares e indicar gente de confiança para a comissão que fará a primeira avaliação do pedido, numa manobra arriscada, sem sucesso garantido. “Mesmo que ele venha a obter imunidade no Knesset, o Supremo Tribunal poderá anular a decisão”, explica a advogada Suzie Navot, professora de direito constitucional.
Não é só o pedido de imunidade que o Parlamento está impedido de votar. Dissolvido formalmente no dia 12, quando os encarregados de formar um governo jogaram a toalha, ele não pode aprovar leis de grande impacto nem nomear ministros e juízes — e tudo parece andar em câmera lenta. O Knesset tampouco tem aval para tratar do Orçamento de 2020. “Programas importantes nas áreas de educação, saúde e infraestrutura terão de sofrer cortes”, diz Gerald Steinberg, professor da Universidade Bar Ilan.
Gantz, de centro-direita, vem crescendo nas pesquisas, mas sua margem de manobra para coalizões é reduzida, e o mais provável, se nada mudar, é outra eleição inconclusiva em que enfrentará o mesmo Netanyahu — Saar chegou para sacudir o Likud, porém tem pouca chance de tomar seu lugar. Ciente disso, Bibi tem insistido na proposta de governo de união nacional, no qual defende ser o primeiro no revezamento. Por quê? Ele explica que é para tirar proveito da proximidade com Donald Trump antes que a campanha eleitoral nos Estados Unidos pegue fogo. Mas até o Mar Morto sabe que o motivo mesmo é ele estar primeiro-ministro quando chegar a hora de votar sua imunidade parlamentar, logo que — e se — um governo for formado. Resta ver se seus superpoderes ainda estarão afiados até lá.
Publicado em VEJA de 25 de dezembro de 2019, edição nº 2666