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Israel e Emirados Árabes Unidos selam acordo histórico

A inédita normalização de relações, patrocinada pelos EUA, deixa claro que as alianças estão sendo reformuladas na região

Por Ernesto Neves Atualizado em 4 jun 2024, 15h37 - Publicado em 21 ago 2020, 06h00

Durante mais de meio século, o mapa das rivalidades perenes no Oriente Médio foi claro como o sol do deserto: israelenses de um lado, árabes de outro, palestinos no meio e americanos como fiel da balança dos interesses regionais. O inesperado anúncio, na quinta-feira 13, de que dois rivais nesse cabo de guerra, Israel e os Emirados Árabes Unidos (EAU), decidiram normalizar suas relações diplomáticas serviu para demonstrar que discretamente, sem intermináveis rodadas de negociações ou devastadoras batalhas militares, as alianças estão mudando de mãos na região. Antes mesmo de o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o príncipe herdeiro de Abu Dhabi, Mohammed Bin Zayed, o MBZ, confirmarem o acordo — qualificado, com razão, de histórico —, foi o governo dos Estados Unidos que informou ao mundo o começo da nova e até pouco tempo atrás impensável amizade, repassando a Donald Trump os louros da conquista. “A diplomacia pacífica reunirá dois dos parceiros mais confiáveis e capazes dos Estados Unidos”, tuitou Trump, em tom de vitória.

O governo americano empenhou-se, de fato, nos últimos meses, em fazer avançar a emperrada engrenagem das relações árabe-israelenses, um trunfo com poder de abrilhantar, em um momento crucial, a campanha eleitoral pela reeleição. Mas seu papel foi, antes de tudo, o de empurrar para o acordo formal dois inimigos mais do que dispostos a fazer as pazes. Até agora, os únicos países árabes que mantinham embaixadas em Israel eram Egito e Jordânia, por força de acordos que encerraram guerras. A normalização de relações entre Israel e os EAU, um feito diplomático em tempos de paz, é reflexo de uma vasta reorganização no xadrez geopolítico do Oriente Médio desde que o Irã (xiita e não árabe), financiando e treinando grupos terroristas em nações vizinhas, desenhou na região um arco de influência que começa no Líbano, passa por Iraque e Síria e se estende até facções do Iêmen em guerra civil.

O movimento acendeu o alerta vermelho nas monarquias (sunitas e árabes) do outro lado do Golfo Pérsico e as aproximou de Israel, desde sempre o maior inimigo do governo dos aiatolás. Contribuiu para essa reformulação de parcerias a decisão dos Estados Unidos de abdicar de seu papel de garantidor dos governos regionais. A mudança começou com Barack Obama e se aprofundou com Donald Trump, este um entusiasta dos acordos bilaterais, em detrimento dos pactos de vasto alcance muitas vezes negociados, e sempre fracassados, no conflito do Oriente Médio. Um efeito imediato da nova correlação de forças foi a remoção da questão palestina do centro do tabuleiro.

A contrapartida do acordo Israel-­EAU foi o compromisso de Netanyahu de desistir, ao menos temporariamente, da promessa eleitoral de anexar em definitivo a Cisjordânia, território implicitamente reservado para uma futura Palestina. O que passa a impressão de alívio para os palestinos acaba sendo, na nova ordem das coisas, uma mostra do enfraquecimento de sua causa: um governante árabe aperta a mão (figurativamente, ainda mais em tempos de Covid-19) de um primeiro-ministro israelense e a população muçulmana não dá um pio. “As relações do mundo árabe estão mudando profundamente. O eixo de influência deslocou-se do Egito, a antiga potência regional, para as monarquias do Golfo”, diz Bilal Saab, especialista em defesa e segurança do Middle East Institute, de Washington. O governo israelense, enquanto isso, fica à vontade para continuar ampliando os assentamentos que vão engolindo vastas fatias da disputada Cisjordânia.

O novo acordo prevê, além da troca de embaixadas, o início de voos comerciais regulares entre Abu Dhabi e Tel-Aviv e a arrancada de negócios que já vinham, sem alarde, sendo alinhavados por empresas dos dois lados. À frente de uma coalizão de parcerias instáveis, formada precariamente após um ano de governos provisórios por falta de uma maioria clara no Parlamento, e com um processo por corrupção em andamento, Netanyahu agora exibe como um troféu a aproximação com os Emirados e confia em um efeito dominó que atraia outras nações árabes para acordos bilaterais semelhantes. O Sudão está na fila e, no próprio Golfo, Omã e Bahrein não são refratários à ideia. Até a troca de embaixadas com a Arábia Saudita, guardiã dos princípios do islamismo, foi definida como “uma inevitabilidade” por Jared Kushner, o genro a quem Trump deu as rédeas da política americana no Oriente Médio.

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O emir de Abu Dhabi, Bin Zayed, por sua vez, tem no novo acordo uma chance de ampliar a influência regional da confederação de sete emirados, dos quais o mais conhecido e visitado é Dubai. Governante dos Emirados e arquiteto da meteórica transformação do grupo em um polo turístico e centro financeiro global, para MBZ a aproximação com Israel tem ainda a vantagem de elevar sua própria estatura política. “Os Emirados querem assumir um papel mais amplo, ter maior protagonismo nos destinos regionais”, diz Sanam Vakil, especialista em Oriente Médio do instituto Chatham House, de Londres. Nesse Oriente Médio repaginado, o círculo das novas amizades — e inimizades — promete muitas reviravoltas.

Publicado em VEJA de 26 de agosto de 2020, edição nº 2701

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