Israel faz ataque contra o Catar em operação para assassinar líderes do Hamas
Membros da alta cúpula do grupo estavam reunidos em Doha para discutir proposta de Trump para cessar-fogo em Gaza

O Exército israelense informou nesta terça-feira, 9, que, em cooperação com a agência de segurança interna Shin Bet, suas forças aéreas realizaram um ataque contra Doha, a capital do Catar, em uma tentativa assassinar membros da alta cúpula do Hamas. De acordo com informações da emissora catari Al Jazeera e da agência de notícias Reuters, o grupo disse que todos os membros no local sobreviveram.
“A ação de hoje contra os principais líderes terroristas do Hamas foi uma operação israelense totalmente independente”, afirmou o gabinete do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, possivelmente tentando afastar qualquer implicação de envolvimento do seu principal aliado, os Estados Unidos. “Israel iniciou, Israel conduziu e Israel assume total responsabilidade.”
De acordo com os militares israelenses, os alvos atacados, entre os quais estaria Khalil Al-Hayya, principal negociador do grupo, conduziram as atividades do Hamas por anos. As Forças Armadas do país afirmaram que continuarão a agir para “derrotar a organização terrorista” e encontrar os líderes palestinos onde quer que estejam — semelhante ao que fizeram com o chefe político do Hamas, Ismail Haniyeh, assassinado em Teerã no ano passado.
A ofensiva ocorreu dias após o chefe do Exército israelense, Eyal Zamir, ter ameaçado assassinar líderes do Hamas que vivem no exterior e horas após o ministro das Relações Exteriores de Israel, Gideon Saar, afirmar que Israel aceitou a proposta de cessar-fogo em Gaza oferecida pelos Estados Unidos. O chefe da pasta de Finanças, Bezalel Smotrich, elogiou o ataque que qualificou de “decisão correta”.
“Terroristas não têm e não terão imunidade contra o longo braço de Israel em nenhum lugar do mundo”, disse o ministro de extrema direita em uma publicação nas redes sociais.
Vídeos que circulam nas redes sociais mostram o momento de uma explosão na capital catari, com fumaça escura subindo entre os prédios.
A Al Jazeera, emissora financiada pelo Catar, confirmou que explosões foram ouvidas em Doha. Uma fonte sênior do Hamas disse à Al Jazeera que líderes do grupo foram alvos de um ataque no local enquanto estavam reunidos para discutir a proposta de trégua do presidente americano, Donald Trump. De acordo com informações da emissora, todos os membros presentes na reunião sobreviveram à tentativa de assassinato.
Condenação do Catar
Majed Al-Ansari, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Catar, afirmou em comunicado que o país “condena veementemente” o ataque israelense. Segundo ele, a explosão atingiu prédios residenciais que abrigam vários membros do gabinete político do Hamas.
“Este ataque criminoso constitui uma flagrante violação de todas as leis e normas internacionais e uma grave ameaça à segurança dos catarianos e residentes do Catar”, afirmou o texto. “Enquanto condena veementemente este ataque, o Estado do Catar afirma que não tolerará este comportamento irresponsável de Israel e sua contínua interferência na segurança regional, bem como qualquer ação que vise sua segurança e soberania. As investigações estão em andamento no mais alto nível e mais detalhes serão anunciados assim que estiverem disponíveis.”
Altos líderes do Hamas vivem há muito tempo exilados no Catar, país que tem atuado como mediador nas negociações entre o grupo e Israel por vários anos, mesmo antes da atual guerra na Faixa de Gaza.
“Por mais que o objetivo tenha sido eliminar líderes do Hamas, estamos diante de uma agressão internacional, um ataque a uma nação independente, que não é controlada pelo terrorismo: o Catar. Isso pode, sim, deteriorar significativamente as relações de Israel com o mundo árabe, o que é péssimo”, afirma Igor Lucena, economista e doutor em relações internacionais .
O Irã e a Turquia também condenaram o ataque em termos fortes, com Istambul afirmando que a ação mostra que Tel Aviv adotou “o expansionismo e o terrorismo” como políticas de Estado. “O ataque à delegação de negociação do Hamas enquanto as tratativas de cessar-fogo continuam demonstra que Israel não visa alcançar a paz, mas sim continuar a guerra”, afirmou o Ministério das Relações Exteriores turco em um comunicado.
No primeiro comentário oficial dos Estados Unidos sobre o incidente, a embaixada americana em Doha afirmou ter visto “relatos de ataques com mísseis” na capital do Catar e emitiu uma ordem de abrigo nas instalações da missão. A embaixada também aconselhou cidadãos americanos que estão no Catar a não saírem de casa.
Negociações em crise
O incidente no Catar deve complicar ainda mais as negociações sobre um cessar-fogo em Gaza e a libertação dos reféns feitos no ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023. Dos 48 cativos restantes, acredita-se que vinte estejam vivos.
O Hamas, que havia aceitado um plano de cessar-fogo anterior feito pelo Egito e Catar, disse estar estudando agora uma nova proposta dos Estados Unidos, apresentada no domingo 8 pelo presidente Donald Trump — com um alerta de que esta seria “última chance” do grupo terrorista para fechar uma trégua.
De acordo com a Reuters, a mais recente proposta exige que o Hamas devolva a Israel todos os 48 reféns, vivos e mortos, de uma só vez no primeiro dia de um cessar-fogo. Durante a pausa nas hostilidades, seriam realizadas negociações para encerrar a guerra.
Einav Zangauker, cujo filho Matan está detido pelo Hamas em Gaza, afirmou no X que está “tremendo de medo” de que o ataque em Doha tenha “selado o destino dele”.
“Pode ser que neste exato momento o primeiro-ministro tenha assassinado meu Matan, selado o destino dele”, escreveu ela. “Por que ele insiste em destruir todas as chances de um acordo? Estamos falando da vida do meu filho!”