Israel versus Síria: a temperatura subiu no Oriente Médio
Depois de Damasco fazer uma investida contra os drusos, o governo Netanyahu resolve despachar bombas para o país vizinho - e a paz parece cada vez mais distante

Em Isafaya, não há comércio aberto nem uma única pessoa na rua. É tudo silêncio nesta cidade ao norte de Israel onde há alta concentração de drusos, minoria religiosa que se espalha por outros países e, nos últimos dias, se viu enredada em um embate com o Exército sírio, elevando as já escaldantes temperaturas do Oriente Médio. A razão para a população de 14 000 habitantes estar reclusa tem a ver com a angústia de saber de longe das notícias sobre a escalada da violência em Suweida, porção síria onde, ali sim, eles são maioria.
Como costuma acontecer neste explosivo naco do planeta, as peças do xadrez geopolítico logo se mexeram e Israel, em mais uma frente de conflito, resolveu defender os drusos e despachou bombas não só para a cidade que fica ao sul, mas também para a capital Damasco, onde acertou as dependências do Ministério da Defesa e um ponto ao lado do palácio do presidente Ahmed al-Shara, aquele que se pôs na cadeira após o derretimento da ditadura de Bashar al-Assad.
O vazio em Isafaya se explica também pela decisão de alguns de seus moradores de se juntar à turma de cerca de 1 000 drusos que tomaram o caminho da fronteira na altura das Colinas de Golã (sobre as quais Israel avançou em 1967). Com alicates em punho, cortaram a cerca e pisaram no território para se unir ao grupo sob o fogo cruzado desde que entrou em confronto com uma das milícias de lá.
Foi aí que o governo de al-Shara decidiu entrar em cena, e a violência mudou de patamar, com os drusos na mira. Ex-embaixador de Israel no Brasil entre 2014 e 2016, Reda Manzour, que também vive em Isafaya e é druso, conta que há ainda outro motivo que faz gente do vilarejo querer ir agora à Síria. “Muitos não veem familiares há décadas, já que não dá para cruzar a fronteira, e vão concretizar isso”, disse a VEJA.
O que faz Israel ingressar em mais um campo de batalha é justamente não correr o risco de ver o pedaço de terra próximo à sua fronteira ocupado pelas forças sírias. Melhor que permaneça com os drusos, cujos primeiros registros na Galileia datam de uns 1 000 anos atrás e com quem o país nas mãos do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu vem travando bom convívio ao longo da história. Mas, como nada nunca é simples neste canto do mundo, pergunte a um líder druso da Síria o que ele acha da situação e ouvirá: “Não queremos a interferência dos israelenses”. A aposta de entendidos como Manzour é que isso deve mudar. “Os drusos na Síria vão acabar entendendo quem está trabalhando a favor deles”, diz o diplomata.

Tudo muda em 24 horas
Tomando a estrada mais para o Norte de Israel, chega-se à divisa com o Líbano, para onde a guerra na Faixa de Gaza transbordou, fazendo com que as pessoas deixassem suas casas de lado a lado em meio aos bombardeios entre israelenses e os terroristas do Hezbollah. A menos de dez quilômetros de lá, a fronteira é justamente com a Síria.
No vilarejo de Even Menachen, na porção israelense, de repente o barulhão de um caça visto em direção ao território sírio faz todo mundo olhar para o céu. Quem mora nesta zona especialmente conflagrada teme pelos desdobramentos da tensão. “Aqui, você nunca sabe onde uma situação dessas vai parar: em 24 horas, pode virar uma grande guerra ou simplesmente esfriar”, explica Sarit Zehavi, fundadora do Alma Research and Education Center, voltado para este trecho do globo.
Na terça-feira 15, foi anunciado um cessar-fogo entre Israel e Síria, rapidamente rompido, e o embate continuou. Um dia depois, um post (de uma vasta coleção) de Marco Rubio, o secretário de Estado americano, sugeriu que uma trégua estaria no radar das duas partes. Segundo ele, todos “concordaram com os passos que vão trazer essa situação horrível ao fim”. Não demorou, e houve mais bombardeios em Damasco, de acordo com o Observatório Sírio de Direitos Humanos, o que só confirma o quão frágil é o equilíbrio neste cenário de ânimos exaltados.
Nos bastidores, o governo de Donald Trump pediu a Netanyahu que freasse as bombas e engatasse um diálogo com Damasco. O medo na Casa Branca é que al-Shara, que ocupou o posto sem passar pelo crivo de eleições depois da queda de Assad, acabe se desestabilizando numa hora em que o próprio Trump se aproxima dele.
O currículo do mandatário sírio, aliás, exibe um período como integrante de um antigo braço da célula terrorista Al-Qaeda, quando, antes de dar uma envernizada na imagem e no discurso, era conhecido como Julani. Para o dono da caneta no Salão Oval (e bota dono nisso), o que importa aí é tocar o plano de costurar alianças na minada região e normalizar as relações de Israel, seu maior aliado na área, com os países que der.
Em um daqueles momentos em que o Oriente Médio se mostra ainda mais incandescente do que o usual – com a prolongada guerra em Gaza produzindo um drama humanitário que ganha novos contornos a cada dia e uma perigosa tensão em torno do Irã -, tudo o que a região não precisa é de mais uma queda-de-braço sangrenta.
Por ora, esta custou 300 vidas e trouxe à luz tanto as fragilidades na Síria, composta de uma complexa teia de grupos armados, como o terreno movediço sobre o qual se fincam esses países em que a fervura sobe na mesma medida em que os termômetros disparam por aqui.