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Latinos viram fiel da balança em estados pêndulo, após piada que os comparou a lixo

Na comunidade do Bloco de Ouro, na Filadélfia, democratas tentam transformar revolta contra Trump em votos para Harris

Por Ricardo Ferraz, da Filadélfia
Atualizado em 2 nov 2024, 18h21 - Publicado em 2 nov 2024, 17h50

Entre as ferramentas de persuasão capazes de mobilizar o eleitor e convencê-lo a escolher determinado candidato em uma eleição, o humor só aparenta ser menos eficaz do que a capacidade de despertar o ódio da população. Donald Trump colheu resultados desastrosos ao misturar os dois ingredientes em um de seus mais recentes e polêmicos comícios, no Madison Square Garden, em Nova York. O comediante Tony Hinchcliffe, escalado para engajar jovens que o cultuam nas redes sociais, comparou Porto Rico, a uma ilha de lixo flutuante e o que era para ser uma piada, virou uma onda de indignação na comunidade Latina.

A apenas três dias das eleições, os descendentes de hispânicos se tornaram um fator que pode decidir o pleito na Pensilvânia, um dos principais estados pêndulo em disputa entre democratas e republicanos. A comunidade portorriquenha neste canto do nordeste americano é a quarta maior dos Estados Unidos e não gostou nem um pouco do chiste de humor negro e politicamente incorreto tão valorizado pelos seguidores de Trump.

Neste sábado, 02, 42 comissões de voluntários do partido democrata andaram pelo bairro conhecido como “Bloco de Ouro”, na zona norte da Filadélfia, que congrega a maioria dos portoriquenhos, batendo na porta dos moradores para convencê-los a votar em Kamala Harris. Muitos vestiam uma camistea negra com os dizeres “é hora de colocar o lixo para fora”, em alusão à oportunidade de deixar o ex-presidente do lado externo da Casa Branca.

“Qualquer graça como essa, não é uma piada. Ela carrega muito mais significado. Trata-se de uma ofensa”, diz Jose Vargas, 60 anos, um professor aposentado que veio de Nova York apenas para fazer campanha em favor de Harris “A comunidade latina foi ativada para se mobilizar”, acredita.

Jose Vargas, voluntário do partido democrata, faz campanha em prol de Kamala Harris, no Bloco de Ouro, bairro latino, ao norte da Filadélfia
Jose Vargas, voluntário do partido democrata, faz campanha em prol de Kamala Harris, no Bloco de Ouro, bairro latino, ao norte da Filadélfia (Ricardo Ferraz/VEJA)
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Bastam poucos minutos de conversa para notar o quanto a pilhéria caiu mal entre os cerca de 200 000 latinos que moram na maior cidade da Pensilvânia. Dona de uma loja de instrumentos musicais que é tida como um patrimônio cultural do bairro, Milagro Melendez, 57 anos,  está repensando suas escolhas políticas. “Ia votar no patrão (Trump), mas  agora estou me jogando para o outro lado. Me senti insultada”, conta. Milagro diz ter medo da violência explodir. “Me chamem do que quiserem, mas eu creio que o país deva ser dirigido por um homem, com mão firme”.

Até antes da campanha republicana “meter a pata”, expressão ouvida com frequência para explicar o ato falho xenofóbico cometido no comício de Nova York, boa parte do bairro cogitava a possibilidade de votar no republicano. A aparente contradição em termos – o ex-presidente fala em fechamento de fronteiras e promete expulsar mais de um milhão de imigrantes ilegais que estão nos Estados Unidos logo nos primeiros dias de governo -, ganha outros contornos com uma simples volta pelas redondezas.

Apesar do nome opulento, o Bloco de Ouro é uma comunidade pobre, com muitos moradores de rua, casas fechadas e consumo de drogas a olhos vistos. Pelas principais avenidas, se pode notar muitas pessoas perambulando a esmo com estado de consciência completamente alterado. “A vizinhança nunca foi boa, mas está se tornando uma terra de zumbis”, opina Manoel Cueva, 42 anos.

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Manuel Cueva, corta o cabelo em barbearia tradicional do Bloco de Ouro: “Vou votar em quem melhorar minha vida” (Ricardo Ferraz/VEJA)

Enquanto corta o cabelo em uma tradicional barbearia local, o controlador de estoque conta que optou por Biden nas eleições passadas, mas que agora está em dúvida. “No dia, decido o que fazer, vou votar em quem achar que vai melhorar minha vida”, diz. Embora esteja empregado e ganhando melhor nos últimos meses, Cueva considera que ainda não voltou aos tempos pré pandemia, quando Trump ocupava a Casa Branca. “O que importa é o dinheiro, racismo sempre existiu”.

Conservadores nos costumes, religiosos fervorosos, desconfiados por natureza e silenciosos em termos de organização política, os latinos nem sempre foram bem compreendidos pelos democratas, embora tenham depositado majoritaiamente os votos na legenda nas últimas eleições.

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O partido mantém posturas progressistas que não costumam gradar essa fatia da população e que são vistas como elitistas. “Quando os dirigentes partidários nos ouvem, são capazes de compreender um pouco melhor, mas não é a regra”, diz Evelyn de Jesus, 63 anos, sindicalista que acaba de se tornar a primeira latina eleita como vice-presidente no poderoso sindicato nacional dos professores.

Tal qual a esfinge, a comunidade latina pode se mostrar capaz de devorar quem não a decifrar. Nenhum dos lados da corrida presidencial demonstrou tal capacidade, mas os republicanos decidiram tentar na base do insulto. Não parece ter sido uma boa escolha.

 

 

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