O que ainda resta para um presidente dos Estados Unidos fazer depois de comandar o país mais poderoso do mundo? A maioria sai do governo para uma aposentadoria dignamente discreta e reclusa, aparecendo pouco e limitando os palpites políticos aos bastidores do partido. Há exceções, claro. Jimmy Carter (1977-1981) envolveu-se em projetos humanitários que lhe renderam o Nobel da Paz em 2002. Bill Clinton (1993-2001) criou uma fundação para tratar de questões como aids e aquecimento global e assessorou a trajetória da mulher, Hillary, na carreira política. Donald Trump (2017-2021) segue candidato, boquirroto e provocador, como se a derrota para Joe Biden fosse um soluço nos seus altos propósitos. Nenhum ocupante da Casa Branca nos tempos modernos, no entanto, se reinventou com tanta habilidade e sucesso financeiro quanto Barack Obama (2009-2017). Frequentadores assíduos das redes sociais, Obama, 60 anos, e a mulher, Michelle, 58, viraram uma espécie de influenciadores de alto padrão, arrebanhando uma legião de admiradores e seguidores de tudo o que fazem, dos projetos mais ambiciosos à postagem de fotos fofas em datas comemorativas.
A mais recente incursão do ex-presidente é no papel de apresentador. Nos cinco episódios da série documental Os Parques Nacionais Mais Fascinantes do Mundo, que chega ao catálogo da Netflix em abril, ele explora santuários da natureza mundo afora, incluindo a Patagônia chilena e a reserva de Gunung Leuser, na Indonésia — parando em toda parte para atender a pedidos de selfies e autógrafos. “Um peixe que sabe andar. Hipopótamos surfistas que pegam ondas. Espécies não encontradas em nenhum outro lugar da Terra”, diz Obama, no chamativo trailer da série. A cruzada ecológica integra o pacote de 50 milhões de dólares (estimativa — o total não foi divulgado) que a produtora do casal, a Higher Ground, assinou com a plataforma de streaming. Logo de cara, Indústria Americana, sobre a compra de uma fábrica de Ohio por um bilionário chinês, ganhou o Oscar de melhor documentário em 2020.
A mesma Higher Ground (nome de uma música de Stevie Wonder, de quem os dois são fãs) assina Crip Camp: Revolução pela Inclusão, a respeito da luta de deficientes físicos por direitos, e o desenho Lições de Cidadania, com lições cívicas. Michelle também promoveu em pessoa a série infantil Waffles + Mochi, que fala de ingredientes e receitas de comida saudável, um tema que desenvolve desde os tempos de primeira-dama. “São histórias cuidadosamente selecionadas para dar ênfase a assuntos pouco vistos na TV e no cinema”, diz Justin Vaughn, cientista político da Universidade Estadual de Boise. A empresa também cria podcasts para a plataforma musical Spotify, entre eles Renegades: Born in the USA, de grande audiência, em que Obama troca figurinhas com o roqueiro Bruce Springsteen. Seguindo uma tradição iniciada ainda na Casa Branca, o ex-presidente divulga todo ano a playlist das canções que mais ouviu — a de 2021 ia de Rolling Stones e Bob Dylan a Lil Nas X e Brandi Carlile.
Antes do contrato com a Netflix, os Obama tinham recebido 65 milhões de dólares de adiantamento por suas autobiografias, quantia muito bem gasta pela Penguin Random House — só a de Michelle, Minha História, bateu todos os recordes de venda. Requisitados em festas e eventos, os dois têm nas palestras outra formidável fonte de renda: ele cobra 400 000 dólares cada uma e ela, 225 000. De milhão em milhão, o patrimônio do casal (veja o quadro) é calculado atualmente em 135 milhões de dólares, 100 vezes mais do que quando ambos entraram na Casa Branca. Parte da fortuna foi investida na compra de duas mansões, uma de 12 milhões de dólares em Martha’s Vineyard, ilha onde ricaços passam o verão, no litoral de Massachusetts, e outra de 8 milhões no exclusivo bairro de Kalorama, em Washington, a cinco minutos da Casa Branca e que tem Jeff Bezos, dono da Amazon, entre os vizinhos.
Simpáticos e carismáticos, ele de roupa esportiva e ela frequentemente de short, Barack e Michelle Obama circulam entre celebridades, com quem passam férias no Caribe e navegam de iate em mares europeus. Em outras ocasiões, aparecem como gente “normal” acomodando a filha mais velha no alojamento da universidade e comparecendo à formatura da mais nova no ensino médio. “A pós-Presidência de Obama é única porque ele também foi um político com características inovadoras”, avalia Mark Updegrove, autor de Second Acts, sobre a aposentadoria de líderes americanos. Com tanto cacife, a grande indagação é se a política realmente ficou para trás ou se, no futuro, um Obama — Barack? Michelle? — voltará a se candidatar. Popularidade não falta.
Publicado em VEJA de 30 de março de 2022, edição nº 2782