No ano de 2017, mais 68,5 milhões de pessoas foram deslocadas de seus locais de origem por conflitos e perseguições, metade das quais era menor de 18 anos de idade. A situação deteriorada na Síria, no Afeganistão, no Sudão do Sul, em Mianmar e na República Democrática do Congo, entre outros países, contribuiu para que essa quantidade de deslocados fosse 2,9 milhões maior do que a de 2016.
Os dados constam do documento Tendências Globais 2017 divulgado hoje (19) pela Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). As estatísticas coletadas pelo organismo expõem o quanto os conflitos e as discriminações étnicas e religiosas ainda causam a trágica expulsão de pessoas de seus lares e da terra de seus ancestrais.
“Hoje, uma em cada 110 pessoas no mundo está deslocada, comparado com [a proporção de] uma para cada 157 há uma década, com a maior parte desse aumento tendo ocorrido nos últimos cinco anos”, assinalou o relatório.
O documento deste ano trouxe pela primeira vez os registros de crianças desacompanhadas ou separadas de suas famílias que solicitaram refúgio. Apenas em 2017, foram 45,5 mil, destinadas a 67 países. No ano anterior, a quantidade foi maior, de 75 mil. No total, havia 138,7 mil crianças nessas condições pelo mundo até dezembro passado.
A própria Acnur, porém, adverte serem esses números subestimados. “Sem a proteção da família ou de um tutor, as crianças desacompanhadas e separadas estão especialmente sob o risco da exploração e do abuso”, alertou a agência.
O cenário imigratório não se alterou. Os países em desenvolvimento acolhem 85% dos refugiados do mundo todo, principalmente os vizinhos das Nações de origem dos deslocados. Na lista dos dez maiores países receptores de refugiados, o único país desenvolvido é a Alemanha, que recebeu 392,2 milhões de pessoas até o final de 2017, dos quais 496,7 milhões de sírios.
Dos 68,5 milhões de deslocados em todo o mundo, 40 milhões não chegaram a sair das fronteiras de seu país de origem.
Os dados mostram ser a Síria a principal origem de refugiados: 6,3 milhões de pessoas em 2017. Somente em 2017, houve um aumento de 14% nesse contingente. Segundo a Acnur, 68% das pessoas forçadas a deixar seus lares vêm desse país, em conflito desde 2011, e também do Afeganistão, do Sudão do Sul, de Miamar e da Somália.
A Turquia continua ser a campeã em recepção pelo terceiro ano consecutivo, tendo recebido mais 3,5 milhões no ano passado. Nesse ranking, é seguida pelo Paquistão, Uganda, Líbano, Irã, Alemanha, Bangladesh e Sudão.
Venezuela
Alguns países, além da Síria, expõem casos bastante particulares. A Venezuela foi destacada no relatório da Acnur, apesar de o quadro humanitário ser muito menos grave do que os de outras populações. Não se trata de um caso derivado de ação de grupos rebeldes e de guerra civil nem de perseguições étnico-religiosas, mas de exemplo de crise sócio-econômica gerada pelas políticos do governo de Nicolás Maduro.
O relatório da Acnur não chega a mencionar o governo venezuelano e se abstém de tocar no nome de Maduro. Mas destacou o fato de mais de 166 mil venezuelanos terem deixado o país em busca de refúgio desde o início de 2015. Dois terços dessas pessoas escaparam da Venezuela em 2017.
No total, 500 mil venezuelanos já preencheram os formulários oficiais de pedido de refúgio na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Uruguai.
“A maioria deles está em situação irregular. Sem acesso a um status legal, eles estão sob alto risco de violência, exploração, abuso sexual, ação de traficantes e discriminação”, ressalta o documento, no qual foi registrado o estresse de comunidades locais, como a de Boa Vista (RR), com a chegada de grande fluxo de venezuelanos.
Congo
A República Democrática do Congo (RDC) ainda não conseguiu superar os conflitos que chegaram a ser devastadores há uma década. Grupos rebeldes ainda lutam contra as forças do governo, em disputas pelo poder e por recursos naturais, geralmente agravadas por razões étnicas.
Com isso, o número de deslocados internos na RDC dobrou de 2,2 milhões, em 2016, para 4,4 milhões, em 2017. O país, entretanto, tem um quadro bastante curioso: originou 620,8 mil refugiados ao exterior em 2017, mas recebeu 537,1 mil pessoas de nações vizinhas.
Mais de 1,85 milhão de congoleses chegou a retornar ao país em curtos períodos de maior estabilidade. Em algumas áreas, observou a Acnur, os que retornaram “se viram sob risco de sofrer violência e muitos encontraram suas casas e modos de vida destruídos”.
“A situação da RDC, ainda desafiadora, piorou dramaticamente em 2017, com os conflitos se expandindo para novas partes do país”, resumiu a Acnur.
Rohingyas
De Mianmar, no Sudeste asiático, 655,5 mil pessoas da etnia rohingya buscaram refúgio em Bangladesh em 2017, perseguidas por razões étnicas e por serem muçulmanos. O país vizinho abriga um total de 930 mil rohingya, nascidos e criados a inúmeras gerações em Mianmar, mas não considerados nesse país como cidadãos. A grande maioria, registra a Acnur, chegou em Bangladesh durante um êxodo massivo causado pelas ondas de violência étnicas de agosto do ano passado.
Apesar da “tremenda generosidade” de Bangladesh, que manteve suas fronteiras abertas aos rohingyas, a chegada de uma quantidade tão grande de pessoas causa estresses, em especial em áreas de grande concentração. O distrito de Cox´s Bazar, no sudeste no país, tornou-se “o maior e mais densamente povoado acampamento de refugiados do mundo”, segundo a Acnur.
O Acnur e outros organismos internacionais têm pressionado o governo de Mianmar a garantir direitos de cidadania aos rohingyas, inclusive com garantias de segurança. Mas até o momento não houve resposta favorável.
“Somente com o fim de sua situação de apátrida, pode-se prometer aos rohingyas uma vida normal e esperanças para o futuro”, assinala o documento.
Incluindo os rohingyas, a Acnur contabiliza a existência de 10 milhões de apátridas, embora o registro efetivo não passe de 3,9 milhões. A dificuldade no cálculo, segundo a agência, se deve ao fato de que muitos apátridas são igualmente refugiados.