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Motor engasgado: o que explica a má fase da economia da Alemanha

Antes a mais pujante da Europa, ela sofre com a queda das exportações e do fluxo de energia e tem em 2023 o pior resultado entre as grandes

Por Caio Saad, de Berlim
Atualizado em 4 jun 2024, 09h32 - Publicado em 13 jan 2024, 08h00

Entre os altos e baixos por que passou a União Europeia nas últimas décadas, um fator permaneceu constante: o papel da Alemanha como economia mais forte e estável do bloco, o motor do continente. Não mais. Abalada pela queda na demanda por seus produtos que a pandemia provocou e que a conjuntura internacional não chegou a reverter, e impactada pelo corte abrupto no suprimento da energia vinda da Rússia em consequência da invasão da Ucrânia, a economia do país saiu do lugar de honra na primeira fila e foi para o fundão da sala. Com inflação em alta, consumo em baixa e a indústria estagnada, no fim do ano passado o PIB alemão registrava três trimestres seguidos de queda, o que configura recessão e, segundo projeção do Fundo Monetário Internacional (veja no quadro), coloca o motor — agora engasgado — da Europa na posição de única grande economia do mundo a ter encolhido em 2023.

arte Alemanha

Os sinais de crise são visíveis nos cartazes anunciando liquidações drásticas nas grandes lojas, vazias de compradores ressabiados pela inflação de mais de 6% ao ano. A alta dos aluguéis instalou moradores de rua em torno da Alexanderplatz, a principal praça de Berlim, e em outras cidades. Da estação de Mainz, colada a Frankfurt, avista-se uma espécie de acampamento montado para abrigar sem-tetos no duro inverno europeu — o contingente de pessoas nessa situação no país quase dobrou no último ano, passando de 268 000 para 447 000. Em meados de novembro, justamente quando parecia que as coisas não podiam piorar, o Tribunal Constitucional rejeitou um remanejamento do governo para que 60 bilhões de euros em empréstimos relacionados com a Covid-19 fossem injetados na modernização da economia, impondo cortes drásticos em programas de transição para a energia verde e em subsídios para diversas áreas.

Aos problemas circunstanciais, de difícil, mas possível, solução, soma-se na Alemanha uma carência crônica de mão de obra qualificada, resultado do rápido envelhecimento da população e da baixa taxa de reposição de trabalhadores — ao contrário de Reino Unido, Itália, França e outros, o país não tem ex-colônias que forneçam imigrantes com domínio do idioma e dos costumes locais. Segundo Stefan Hardege, especialista em mercado de trabalho da Câmara Alemã de Comércio e Indústria, a escassez extrapolou setores específicos. “O problema existe em todas as áreas e abarca uma ampla gama de profissões”, afirmou. O Ministério do Trabalho calcula que o país de pouco mais de 80 milhões de habitantes precisará de mais 7 milhões de trabalhadores até 2035.

CHANCE - Os enfermeiros Falcão e Fernanda: imigração facilitada
CHANCE - Os enfermeiros Falcão e Fernanda: imigração facilitada (./Arquivo pessoal)
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Tentando amenizar o problema, uma nova lei entrou em vigor em novembro com o objetivo de reduzir os obstáculos à imigração de trabalhadores qualificados. Ela acelera os processos de validação de diplomas e permite que estrangeiros qualificados permaneçam no país procurando emprego durante um ano. Os maiores gargalos estão na área social, na qual faltam 130 000 enfermeiros e cuidadores de idosos, entre outros profissionais. O enfermeiro carioca Roger Falcão chegou a Berlim com contrato assinado para trabalhar em um hospital e está satisfeito com a mudança. “Aqui não há falta de material e equipamentos. E, claro, o nível de vida e a segurança são excelentes”, diz Falcão. A mulher dele, Fernanda, também enfermeira, aguarda o reconhecimento do diploma. O chefe da divisão de relações com a América Latina do Ministério das Relações Exteriores alemão, Jens Wagner, vê no Brasil uma fonte potencial de imigrantes. “São 6 milhões de brasileiros com ascendência alemã e cerca de 1 milhão fala o idioma em algum nível, o que facilita”, ressalta. Sabendo planejar, os tempos de dificuldades na Alemanha podem se reverter em uma brecha de oportunidades para outras nacionalidades — inclusive a brasileira.

Publicado em VEJA de 12 de janeiro de 2024, edição nº 2875

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