Movimento em baixa: por que Las Vegas enfrenta crise
Fórmula que combina jogos de azar, bebedeira e shows opulentos já não seduz mais o público
O oásis artificial repleto de luzes que destoa da monótona paisagem do deserto de Nevada segue brilhando com sua característica opulência. A novidade em Las Vegas é que sua particular silhueta urbana, capaz de reunir em uma só imagem um misto de jogatina, música, álcool e sexo — tudo embalado em muito luxo e riqueza —, já não exerce o mesmo magnetismo de antes. A cidade está em crise. Nos últimos anos, aquele canto dos Estados Unidos onde pecar é permitido e incentivado passou a enfrentar a concorrência das apostas on-line e dos hábitos regrados de uma geração de jovens mais afeita aos cuidados com a saúde do que aos excessos ofertados no parque de diversões adultas.
Os salões de jogos já não ficam mais tão abarrotados e a disputa para comprar ingressos para os shows exclusivos diminuiu consideravelmente. Em plena alta temporada, a Autoridade de Convenções e Visitantes registrou 3,1 milhões de pessoas no mês de junho, uma queda de 11,3% na comparação com o mesmo período do ano passado. A ocupação hoteleira despencou 14,6%. O fenômeno tem múltiplas causas, mas todas convergem para a mesma conclusão: o modelo que consagrou Las Vegas como destino internacional obrigatório soa ultrapassado. “A combinação de cassino, festa e bebedeira perdeu força”, diz Erik Cabral, empresário do setor que viu a procura por pacotes para o destino diminuir nos últimos anos.

Há tempos, os cassinos são majoritariamente frequentados por gente grisalha, dada a possibilidade dos aposentados de pagar acomodações sofisticadas, combinada ao sonho de garantir herança extra para os filhos e netos. Chama a atenção dos operadores, contudo, a baixa renovação do público. Atualmente, 38% dos americanos com menos de 35 anos se declaram abstêmios e, portanto, menos propensos a deixar-se levar pelo álcool, enquanto arriscam as economias num lance de sorte. “Os jovens estão mais conscientes dos riscos e buscam experiências com propósito e conexão, em vez da fuga pela bebida”, diz o psicanalista Artur Costa, especialista no comportamento da geração Z.
O declínio é visível na Las Vegas Boulevard, a famosa Strip, onde os portentosos cassinos se enfileiram. No quarteirão do icônico Hotel Tropicana, cenário de filmes como 007 — Os Diamantes São Eternos e O Poderoso Chefão 2, agora há um terreno vazio. O empreendimento foi demolido, no fim do ano passado, depois de falir, sem choro, nem vela. Mais à frente, em outra enorme quadra do principal cartão-postal da região, há apenas um estacionamento. Assim seguirá. O lote, adquirido por 270 milhões de dólares pelo empresário Tilman Fertitta, o bilionário dono do Houston Rockets, time da liga de basquete americana, a NBA, abrigaria um hotel de 43 andares, mas o projeto foi cancelado diante do evidente risco de fracasso.

Outro fator a assustar os turistas é a surpreendente alta de preços. A baixa demanda deveria derrubar os valores, mas a dinâmica do turismo local está provocando efeito contrário. Desde que os jogos de azar se tornaram o principal atrativo da cidade, nos idos de 1940, os hotéis compensavam margens irrisórias da hospedagem e da comida com os altos lucros da mesas de apostas — o apelo é tão grande que há caça-níqueis até dentro dos banheiros. Com o movimento à míngua, o jeito foi reajustar as diárias e as refeições. No famoso Flamingo, um coquetel não sai por menos de 220 reais, e um cheeseburger à beira da piscina chega a escandalosos 500 reais.
Medida mais promissora para fazer a cidade voltar aos tempos das vacas gordas é a criação de novas atrações, mais conectadas ao mundo atual. O sucesso do momento é a Sphere, uma redoma futurista com projeções em 360 graus, som de última geração e assentos que vibram conforme a ação no palco. A versão imersiva de O Mágico de Oz já vendeu 120 000 ingressos antes da estreia, prevista para o fim deste mês. A expectativa é chegar a 200 000 espectadores, elevando de 7% para 10% a fatia de visitantes que incluem a atração no roteiro. Os esforços de diversificação contam ainda com o GP de Fórmula 1, que tem a Strip como reta principal, e os jogos do Las Vegas Raiders, time de futebol americano. Por ora, convém ouvir Frank Sinatra, em uma aguda definição da cidade: “Em Vegas, o dinheiro realmente fala. E diz ‘tchau’ ”. O desafio é fazê-lo voltar.
Publicado em VEJA de 29 de agosto de 2025, edição nº 2959