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Museu de Nova York reconsidera sediar homenagem a Bolsonaro

Premiação da Câmara de Comércio Brasil-EUA, em maio, pode ser despejada do Museu de História Natural; ingresso custa 30.000 dólares

Por Lúcia Guimarães Atualizado em 12 abr 2019, 20h57 - Publicado em 12 abr 2019, 16h17

A noite de gala para homenagear o presidente Jair Bolsonaro com o prêmio Pessoa do Ano, conferido pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, colocou o Museu de História Natural de Nova York em uma arapuca. Entre constrangimento, contrariedade e pressões de vários lados, a instituição científica viu-se no centro de uma polêmica que não lhe pertence.

A controvérsia começou na rede social. Mas tomou fôlego quando o Gothamist, um site de jornalismo local, publicou reportagem na quarta-feira 11 sob a manchete “Presidente de ultradireita do Brasil Jair Bolsonaro será homenageado em gala no Museu de História Natural.”

Sob críticas do público e até de cientistas que trabalham na instituição. O Museu publicou na noite da mesma quarta-feira em sua conta no Twitter uma declaração explicando que o evento era externo, privado e havia sido agendado antes da escolha do homenageado. O museu expressou ainda sua profunda preocupação e anunciou que estava “explorando nossas opções”.

Museu de História Natural de Nova York

Nesta sexta-feira, 12, a pedido de VEJA, o Museu de História Natural completou essa declaração por e-mail, acrescentando: “Estamos profundamente preocupados, já que o evento não reflete de forma alguma a posição do museu sobre o fato de haver necessidade urgente de conservar a Floresta Amazônica, o que tem implicações profundas para a diversidade biológica, as comunidades indígenas, a mudança climática e o futuro do nosso planeta.” O museu não descartou a possibilidade de cancelamento, reiterando que continua “explorando alternativas.”

Os convites para a gala de premiação de Bolsonaro, no dia 14 de maio, se esgotaram rapidamente, vendidos a 30.000 dólares por pessoa. A Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos confere o prêmio Pessoa do Ano desde 1970. Já homenageou ex-presidentes, como o brasileiro Fernando Henrique Cardoso e o americano Bill Clinton. Em 2018, junto com o empresário e ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg, premiou o atual ministro da Justiça, Sergio Moro, em cerimônia no mesmo museu.

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O homenageado de 2017 foi o então prefeito e hoje governador de São Paulo, João Doria. A festa atrai uma média de 1.000 pessoas e, neste ano, tem patrocinadores como o Banco Itaú, o BTG Pactual, a Fundação Getúlio Vargas, o Citibank e o Bank of America. A Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos promove o evento como âncora da “Semana Brasil”.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, é esperado no evento em homenagem a seu chefe e em encontros com empresários. As consultas de VEJA à Câmara foram direcionadas para a diretora de eventos, Ruthe Philips, que não retornou a chamada até a tarde de sexta-feira.

Museu Americano de História Natural
Salão da Vida do Oceano do Museu Americano de História Natural em Nova York: baleia azul sobre as mesas dos convivas. (Mike Coppola/Getty Images)

É comum as galerias de grandes museus nova-iorquinos serem alugadas para eventos privados externos, tanto para cerimônias de corporações como para premiações culturais e lançamentos de filmes. O local alugado para o prêmio Pessoa do Ano é o dramático Salão da Vida do Oceano, onde uma baleia azul fica suspensa sobre as mesas dos convivas.

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O site Gothamist é uma iniciativa de jornalismo sem fins lucrativos operado pela rádio pública WNYC, uma das principais estações da rede National Public Radio. A reportagem sobre o prêmio ao presidente brasileiro cita um cientista anônimo da equipe do Museu de História Natural, afirmando que ele e seus colegas estavam chocados e que “ninguém acredita ser aceitável” sediar um evento de premiação a Bolsonaro.

O Gothamist diz também que críticos brasileiros e americanos destacaram as posições de Bolsonaro abraçando abertamente a homofobia, a misoginia e o racismo, além de de suas declarações em favor de retrocessos na proteção do meio ambiente – uma questão sensível especialmente para o Museu de História Natural.

“É uma ironia amarga que, como dizem os críticos, o homem determinado a destruir um dos recursos mais preciosos do mundo vai ser consagrado Pessoa do Ano em um espaço dedicado à celebração do mundo natural”, diz o artigo do Gothamist.

Museu sob pressão

O Museu de História Natural de Nova York abriga uma das maiores coleções do gênero no mundo e é um favorito de crianças e estudantes por ostentar galerias com fósseis de dinossauros, como o Tyrannossaurus rex e pelo Planetário Hayden. Recebe mais de 4 milhões de visitantes por ano, além de servir de residência temporária para mais de 1.000 acadêmicos de dezenas de países.

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O museu acaba de dar a partida para celebração de seus 150 anos com uma série de exposições ricas em instalações interativas e multimídia.

Ao polêmica sobre a festa para Jair Bolsonaro emerge em momento de publicidade negativa causada por doadores controversos. Em janeiro de 2018, o Museu de História Natural foi alvo de protestos de rua e abaixo-assinados de acadêmicos pela presença da doadora Rebekah Mercer em seu comitê de diretores. Mercer e seu pai, o bilionário Robert Mercer, são ultraconservadores associados à negação da mudança climática, financiaram o site extremista Breitbart e apoiaram financeiramente a campanha de Donald Trump à Casa Branca.

No último, ano, o museu se tornou também alvo de uma campanha contra a família Sackler, proprietária do laboratório Purdue Pharma, fabricante do analgésico à base de morfina OxyContin, responsável pela epidemia de mortes por overdoses de opiáceos nos Estados Unidos, como explica esta reportagem de VEJA. O museu já recebeu 5.6 milhões de dólares da família Sackler em doações.

A pressão aumentou depois de, em março, o museu Guggenheim de Nova York e a National Portrait Gallery, de Londres, terem anunciado que não vão mais aceitar doações da família Sackler.

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Em um país sem Lei Rouanet nem Ministério da Cultura, como os Estados Unidos, as artes e os centros culturais e científicos dependem pesadamente da generosidade de milionários e bilionários. Os dólares vêm com a expectativa de rebatizar prédios, galerias e programas com o sobrenome dos patronos.

Mas, nesse mesmo país em que a polarização política alcança níveis históricos e o financiamento de eleições por interesses corporativos não tem limites, a tradição resumida pelo velho ditado “a cavalo dado não se olham os dentes” virou um desafio para essas instituições.

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