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Nem EUA nem China querem assumir a liderança mundial pós-Covid-19

Antagonistas, as duas potências não se dispõem a assumir a liderança mundial, diz Sergio Amaral, ex-embaixador do Brasil em Washington

Por Caio Mattos Atualizado em 4 Maio 2020, 22h02 - Publicado em 4 Maio 2020, 21h56
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  • O acirramento da rivalidade política entre Estados Unidos e China, em meio à pandemia da Covid-19, eleva a incerteza sobre o futuro das Nações Unidas e da cena internacional após a contenção dos surtos da doença. Em debate online do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) nesta segunda-feira 4, o embaixador Sergio Amaral afirmou que Estados Unidos e a China ” não se dispõem” a assumir o papel de liderança efetiva, e o embaixador Gelson Fonseca assinalou que falta unidade entre as potências mundiais.

    A pandemia atingiu até esta segunda-feira 3,5 milhões de pessoas e matou 250.000. Neste momento, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, batalha pelas responsabilização do país oriental pela crise de saúde pública em todo o mundo. Em outra esfera, os dois países disputam a liderança da próxima revolução industrial, a ser impulsionada pela tecnologia 5G e pela inteligência artificial.

    “A rivalidade entre países não é uma ‘doença’ do sistema internacional. Pelo contrário, é natural que isso aconteça”, disse Fonseca no debate. “O sistema internacional fica disfuncional quando há exigências de cooperação que são evidentes, mas elas não acontecem”, acrescentou.

    Fonseca, que representou o Brasil em Santiago e foi cônsul-geral em Madri e no Porto, criticou a ausência de “unidade” entre os governos das potências mundiais no combate à Covid-19. “Faltou palavra e capacidade de mobilização por parte das potências mundiais”, disse. 

    Segundo o embaixador, a situação rompe com a histórica cooperação sanitária internacional, que data do século XIX e que resultou em episódios como a erradicação da varíola em plena Guerra Fria — as Nações Unidas consideraram a varíola erradicada em 1980 após uma campanha da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a elaboração de uma vacina, que envolveu a cooperação entre os Estados Unidos e a então União Soviética.

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    “Mesmo quando se imaginava que em certos contextos essa unidade apareceria, ela não apareceu”, disse Fonseca em referência à União Europeia, onde prevaleceram “os interesses nacionais”.

    O bloco europeu aprovou um pacote de 540 bilhões de euros (3,2 trilhões de reais) para a recuperação financeira e a manutenção dos sistemas de saúde de seus 26 Estados-membros apenas em 23 de abril, quando o continente já respondia por quase 50% dos 2,5 milhões de casos da Covid-19 de por 64% das mais de 175.000 mortes, segundo a OMS.

    O financiamento dos sistemas de saúde nacionais previsto no pacote deve entrar em execução a partir de 1º de junho. Até esta segunda-feira, 4, a Europa representa 45% dos 3,4 milhões de enfermos reconhecidos pela OMS e 60% dos 239.000 mortos.

    O jornal americano The New York Times estima que mais de 3,5 milhões de pessoas tenham adoecido e pelo menos 249.500 tenham morrido pela Covid-19 em todo o mundo até o final desta segunda-feira.

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    ONU em xeque

    Segundo o embaixador Sergio Amaral“o novo coronavírus apenas acelera processos que já estão em curso”, dentre eles o degaste da globalização frente aos governos nacionais. Nesse contexto, Amaral afirma que a manutenção da figura das Nações Unidas como instituição que representa a cooperação internacional e o multilateralismo enfrenta diversas dificuldades.

    “O sistema das Nações Unidas teve êxito e se prestou aos seus objetivos, como a preservação da paz e o desenvolvimento dos direitos humanos. Mas será muito difícil de se manter as condições mesmo para apenas uma reforma das Nações Unidas”, disse o embaixador.

    “Não existe mais uma ‘coalizão dos vencedores’, como aquela que, sob a inspiração dos Estados Unidos, criou as Nações Unidas [após a Segunda Guerra Mundial]. O que nós temos hoje é um sério antagonismo entre as duas grandes potências mundiais [Estados Unidos e China]”, explicou.

    Frente à possível ausência de uma instituição como as Nações Unidas na liderança internacional, Amaral afirma que os Estados Unidos e a China “não se dispõem” a assumir o papel.

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    O principal impasse à hegemonia americana na política internacional é o governo do presidente Trump. O embaixador acredita que o líder dos Estados Unidos reduziu “muitos créditos à presença internacional dos Estados Unidos” após “se indispor com um grande número de adversários e aliados”.

    No caso da China, porém, o governo do presidente, Xi Jinping, não traz uma “visão”, no sentido de ideais políticos, para coordenar uma nova ordem mundial. “Qual é a visão que a China traz? A China traz a sua legitimação pelo êxito econômico e tecnológico, mas não tem uma visão“, disse Amaral.

    Conflito

    Um dos principais fatores para o aumento da crise na liderança internacional é a polarização entre as duas potências. Segundo Amaral, “no início da epidemia do coronavírus, a questão era descobrir a origem da doença. Agora, a questão é saber se os chineses estão se aproveitando da pandemia para se promover”.

    De fato, Trump voltou no domingo 3 a insinuar que o SARS-CoV-2, vírus causador da Covid-19, se originou em um laboratório chinês. “Vamos apresentar um relatório muito sólido sobre exatamente o que achamos que aconteceu”, disse o presidente dos Estados Unidos, depois de agências de inteligência do país terem desmentido essa hipótese.

    Nesta segunda-feira, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, disse que “há enorme evidência” da origem do SARS-CoV-2 estar relacionada a um laboratório chinês. Em resposta, o governo da China considerou a declaração de Pompeo “insana”.

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