Investidores ainda tentavam entender, no fim da segunda-feira 5, o que o Brasil teria a ganhar — e a perder — com o acirramento das tensões entre China e Estados Unidos. Naquele dia, o governo do país asiático permitiu a desvalorização de sua moeda, o yuan, depois que mais de 300 bilhões de dólares de suas exportações foram sobretaxados em 10% por decisão da Casa Branca. Ao verem o yuan desvalorizar-se até chegar a 7,05 por dólar, investidores ao redor do planeta se desfizeram de ativos mais arriscados — e os principais índices de ações americanos, Dow Jones e Nasdaq, se derreteram aproximadamente 3%. No Brasil, o Ibovespa caiu 2,5%. Desde que o presidente americano Donald Trump iniciou o embate com a China, em março de 2018, esse foi o momento de maior apreensão. Sensata, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, anunciou que, por aqui, não se tomaria nenhuma posição perante a guerra comercial entre as duas potências. “O Brasil deve se manter fora dessa briga”, disse ela. A calma da ministra se contrapôs à grita global. E é inegável: o governo brasileiro está pressionado. De um lado, o país de Trump, o líder mundial que o presidente Jair Bolsonaro considera o seu maior aliado ideológico, e do outro, o principal cliente de nossas exportações, mas de pouca, pouquíssima afinidade política.
Neste momento, deixe-se logo registrado, o Brasil lucra com o conflito. No entanto, tem de se preparar para o choque de realidade que virá quando as potências chegarem a um possível — na verdade, provável — acordo.
Até o segundo semestre de 2017, o país dividia em partes quase iguais com os Estados Unidos os embarques de soja para o gigante asiático. Contudo, logo no começo dos atritos entre Washington e Pequim, a soja nacional inundou o mercado chinês, alcançando uma participação de 80% no primeiro semestre deste ano. É ótimo, claro — entretanto, momentâneo. “O agronegócio como um todo terá um resultado positivo. Mas é um impacto de vida curta”, aponta Gersan Zurita, vice-presidente da agência de classificação de risco Moody’s. Dadas as conhecidas estratégias de negociação de Trump, analistas entendem que, ao tarifar os produtos chineses, o presidente americano esticou a corda para forçar uma negociação que precisa de rápida resolução. Nenhuma das duas nações consegue sustentar por muito tempo os problemas causados por tal medida. O lado ocidental está compensando as perdas de seus produtores com as exportações — até este ano, mais de 20 bilhões de dólares, cerca de 80 bilhões de reais, já foram gastos em subsídios —, enquanto o oriental não pode se dar ao luxo de ver mais de 10% de suas vendas ao exterior ameaçadas. Por isso, em setembro, uma comissão chinesa vai à capital americana para tentar criar as bases de um acordo que ponha fim à guerra comercial. “A melhor resposta é antecipar uma negociação e tentar chegar a um acordo para uma redução mútua de tarifas”, avalia Robert Gulotty, pesquisador da Universidade de Chicago.
Há apenas dois cenários para os próximos desdobramentos desse conflito. Em ambos, o Brasil sofrerá perdas. No mais provável deles, os países entrarão em acordo até 2020 — e todo esse crescimento de participação dos produtores nacionais deverá ser devolvido aos exportadores americanos. Larry Kudlow, assessor da Casa Branca, diz que Trump pode até flexibilizar já as tarifas impostas caso a reunião de setembro aponte para avanços significativos na negociação. Seria a melhor hipótese para os Estados Unidos, que poderiam declarar vitória e seguir em frente. Já no segundo cenário, com as conversas fracassando, o crescimento global será afetado a ponto de cair dos atuais 3% ao ano para zero. Essa possibilidade nem é considerada pelas principais forças econômicas do planeta, uma vez que o “estouro” da corda seria catastrófico para todo o mundo. Uma situação tão irreal que, neste momento, a União Europeia está mais preocupada com o Brexit e com o acordo de livre-comércio fechado com o Mercosul.
No campo geopolítico, a América Latina dá cada vez mais atenção à crise venezuelana. E outras nações, como Canadá e Austrália, estão aflitas com os bloqueios impostos pelos Estados Unidos à câmara de arbitragem da Organização Mundial do Comércio (OMC). Ou seja, ninguém acredita que Trump possa ser tão irresponsável.
Para além da situação de pressão na qual se encontra, o Brasil está numa posição insólita. China e Estados Unidos são seus dois maiores parceiros econômicos individuais e, juntos, representam 39% das exportações do país. “Não existe um alinhamento automático com os Estados Unidos nem com a China. Não temos de fazer nem uma coisa nem outra”, acredita o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa.
Desde 2009 os chineses se tornaram os principais clientes do Brasil. Porém, o que o país quer, de fato, são investimentos. A atração de empresas para financiar projetos de infraestrutura é a principal estratégia para que o Brasil não seja esmagado no abraço colossal que Trump e Xi Jinping darão quando selarem um acordo. Há poucos dias, delegações de São Paulo e do Paraná visitaram diversas cidades no país asiático e marcaram dezenas de reuniões com empresários locais para atrair investimentos. O próprio governador João Doria encabeçou a missão paulista. Lá, ouviu de gente influente que os investidores não vão ficar esperando a resolução das tensões entre China e Estados Unidos para investir — e, se os americanos estão fora da mesa de negociações, os asiáticos vão procurar outros parceiros. “O Brasil já está aproveitando esse movimento, no entanto precisa trabalhar duro para conseguir atrair os investimentos num momento em que todos tendem a segurar dinheiro devido às incertezas”, afirma Eric Liu, sócio do escritório Linklaters Zhao Sheng. É melhor correr, porque essa janela de oportunidades já está se fechando.
Publicado em VEJA de 14 de agosto de 2019, edição nº 2647