O continente europeu se recuperava dos horrores da Segunda Guerra Mundial, em 1946, quando o premiê inglês Winston Churchill viajou a Zurique com o intuito de propagar a ideia de coexistência pacífica entre os países. “Há uma solução que em poucos anos tornaria toda a Europa livre e feliz. Trata-se de recriar a família europeia o máximo que pudermos e dotá-la de uma estrutura sob a qual possamos viver em paz, em segurança e em liberdade”, disse.
Mais de uma década depois, em março de 1957, eram assinados os Tratados de Roma, nos quais França, Alemanha Ocidental, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo estabeleciam a primeira união aduaneira do continente e uma política comum para os produtos agrícolas, os transportes e outros setores importantes. Nascia o primeiro esqueleto do que viria a se tornar a União Europeia.
O bloco festeja seu 60º aniversário nesse sábado em meio ao que parece ser um ataque generalizado à sua existência. Após décadas de expansão, começa este mês o divórcio entre a Inglaterra e a UE. À exceção da Holanda, que votou contra o movimento nacionalista nas eleições deste mês, a batalha contra o nacionalismo está só começando. Outros membros-chave como a França e a Alemanha enfrentam também, nas urnas, as forças políticas que clamam pela desintegração. No primeiro, as ameaças são personificadas pela candidata da Frente Nacional, Marine Le Pen e, no segundo, pelo crescimento do partido xenófobo Alternativa para a Alemanha (AfD).
Apesar das críticas, alguns indicadores econômicos e sociais europeus mostram que os benefícios de fazer parte da União Europeia podem ser muito maiores do que conseguimos enxergar. Um estudo de 2013 do Centro de Pesquisa em Política Econômica, de Londres, estimou que os países que entraram no bloco nos anos de 1980 e 2004 tiveram, em média, um crescimento em seu PIB per capita 12% superior do que se não tivessem se juntado ao grupo.
Além disso, o interesse de nações como Turquia, Macedônia, Sérvia e outros países balcânicos em entrar no grupo prova que, de modo geral, os benefícios de estar na União Europeia superam os custos. “Na verdade, muitos países europeus estão indo muito bem. Alguns políticos estão atacando a União Europeia, mas eles não estão ganhando as eleições”, diz o professor de política europeia da King’s College de Londres, Anand Menon.
Crise do euro
Algumas nações menores, extremamente afetadas pela crise econômica dos últimos anos, sofrem para adequar suas economias modestas à zona do euro. A falta de uma política única de controle fiscal prejudica o andamento geral da UE e torna difícil evitar que o desiquilíbrio econômico de um membro não implique na ruína de todo o bloco.
Mas, alguns anos depois do auge da crise, países como Espanha e Irlanda já começam a se recuperar após implantarem medidas de limpeza do setor bancário e de flexibilização do mercado de trabalho. Após um longo período de recessão, as nações são hoje as que crescem mais rapidamente na Europa: a Irlanda apresentou um crescimento de 26,3% em seu PIB no ano de 2015.
A Itália, por outro lado, buscou aumentar os impostos para encolher o déficit nacional, mas teve dificuldades para encontrar uma solução para a crise bancária. A economia ficou estagnada nos últimos anos e apresentou os primeiros sinais de retomada só em 2017. “Isso indica que não podemos culpar só o euro pela falta de recuperação, mas também os governos nacionais que são incapazes ou tem má vontade de implantar as políticas necessárias”, diz o economista e professor da Paris School Of Economics, Fabrizio Coricelli.
Prosperidade e harmonia
Em seus 60 anos, a União Europeia atuou como um multiplicador de influência política e econômica, elevando o alcance global de seus signatários a níveis que nunca atingiriam sozinhos. “Mesmo um país como o Reino Unido ganha alcance em partes do mundo que não teria sem a UE. Para um país menor isso significa ainda mais benefícios”, diz o cientista político inglês Simon Lightfoot, professor da Universidade de Leeds.
Dentro de suas fronteiras, a política de livre circulação de bens, serviços e capital também representa grande avanço. Além da geração de empregos, o Mercado Comum atrai grande parte dos investimentos estrangeiros no continente. O exemplo clássico de nação que viu seus indicadores sociais e econômicos prosperarem após se juntar ao bloco é Portugal.
E não foram somente as nações mais pobres que experimentaram as vantagens de estar na União Europeia, países mais ricos também se beneficiaram muito em termos de produtividade e crescimento social. As rendas per capita do Reino Unido e da Dinamarca, por exemplo, seriam em média 25% mais baixas se não tivessem entrado no bloco em 1973, segundo o estudo do Centro de Pesquisa em Política Econômica. Além disso, a medida em que as economias menores se fortalecem, se tornam mercados mais amigáveis para as grandes potências.
O processo que levou à paz e harmonia no bloco também é uma façanha a ser lembrada. Grécia, Espanha e Portugal construíram suas democracias graças ao apoio de outros membros e aos padrões democráticos europeus. Os esforços para a promoção da paz e da cooperação internacional entre os países membros já foram reconhecidos: em 2012, a União Europeia ganhou o Prêmio Nobel da Paz por ser capaz de unir nações inimigas após a Segunda Guerra Mundial. “A prosperidade e a coletividade dentro da UE são as características que alguns dos candidatos a membros mais veem como vantagens”, diz Simon Lightfoot.
Com muitas dessas conquistas aparentemente esquecidas pela sua população, o desafio da UE agora é continuar conciliando os muitos lados da complexa equação europeia para manter a harmonia interna do bloco e evitar que o efeito Brexit se multiplique. A preocupação com o avanço dos críticos nacionalistas no continente já atinge, inclusive, outras partes do globo.
Nessa sexta, o papa Francisco discursou sobre a necessidade da União Europeia em combater o populismo, o extremismo e o sentimento anti-imigração que se propaga pelo continente nos últimos anos. Falando para 27 líderes europeus durante uma cerimônia que marcou o aniversário dos Tratados de Roma no Vaticano, o pontífice disse que espera que o bloco volte a ser solidário, volte a “pensar em modo europeu”. O desejo do papa é o mesmo de Churchill de mais de 60 anos atrás: recriar uma Europa verdadeiramente unida, onde seja possível viver em paz, segurança e liberdade.