O que a saída de Shinzo Abe significa para o Japão
O primeiro-ministro anunciou sua renúncia sem apontar um novo sucessor e em meio à baixa popularidade de seu governo devido ao coronavírus
Sem designar um sucessor e citando problemas de saúde, o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, de 65 anos, anunciou nesta sexta-feira, 28, que renunciará ao cargo em breve. A decisão encerra mais de oito anos ininterruptos de governo do premiê e coloca em risco a estabilidade política do país, apesar da oposição fragmentada.
Abe é o primeiro japonês nascido após a II Guerra Mundial a ocupar o cargo de premiê. Passou rapidamente pelo poder entre 2006 e 2007, porém renunciou em um momento de crise, alegando problemas de saúde. Ele foi eleito novamente ao cargo em 2012 e, em 2020, se consolidou como o líder a ocupar por mais tempo a chefia do país.
A sua volta ao governo pôs fim à instabilidade que reinou no Japão nos anos após sua primeira renúncia. Durante esse hiato de cinco anos, o país conheceu cinco primeiro-ministros, sendo que três deles eram da centro-esquerda, que nunca se recuperou da crise política e hoje se encontra fragmentada e sem força ou envergadura suficiente para apresentar um candidato que faça frente ao campo conservador.
Mais uma vez, a saída de Abe abre um vácuo de poder no Japão, pois ainda não se sabe quem será o seu sucessor e se ele poderá manter a estabilidade no país. Segundo a agência de notícias do governo NHK, o Partido Liberal Democrata (PLD) deverá se reunir nos próximos dias ou semanas para eleger um novo líder. Entre os cotados estão o vice-primeiro-ministro, Taro Aso, e o ex-primeiro-ministro Yoshihide Suga.
“Não há nenhum sucessor que seja popular ou tenha força política para manter uma estabilidade clara”, avalia Alexandre Uehara, especialista em política asiática e coordenador do Centro Brasileiro de Estudos e Negócios Internacionais da ESPM. A pandemia de coronavírus também não facilita a situação política e econômica no país.
Abe se tornou conhecido no exterior pela estratégia de recuperação econômica conhecida como “Abenomics”, na qual mesclava flexibilização monetária, grande reativação do orçamento e reformas estruturais. Porém, sem essas reformas, o programa registrou apenas êxitos parciais, agora ofuscados pela crise econômica provocada pelo coronavírus.
Como resultado, sua popularidade despencou. Um contraste do que a eleição de 2017 representou para seu governo e para seu partido. Naquele ano, o PLD e suas siglas aliadas dominaram um terço das cadeiras do Parlamento. Apesar da maioria absoluta, Abe não realizou as reformas prometidas, como a militar.
Uma de suas principais mudanças previstas era a revisão da Constituição do país, mais especificamente do artigo nono. O artigo foi imposto pelos Estados Unidos após o fim da II Guerra para impedir a instalação de um Exército nacional japonês com o objetivo de organizar ataques no exterior. Apesar da proibição, a interpretação do item foi sendo alterada com o tempo, possibilitando a criação das Forças de Autodefesa.
“Abe queria transformar o Japão em um país normal”, avalia Uehara. O motivo é a crescente preocupação com a Coreia do Norte e os testes de mísseis e bombas nucleares realizados pelo país, assim como com o crescimento econômico da China. “Isso faz com o que o Japão busque uma posição de igualdade”, afirma o especialista.
Ao mesmo tempo em que manteve uma política próxima aos Estados Unidos – apesar de alguns desencontros, como a saída repentina dos americanos do Acordo Transpacífico –, Abe tentou não criar rusgas com a Rússia de Vladimir Putin, uma vez que o país almeja a soberania das Ilhas Kuril, ao norte, que foram ocupadas pelos soviéticos após a Segunda Guerra. Setenta e cinco anos após o fim do conflito, Japão e Rússia ainda não assinaram um acordo de paz.