E lá vem a Bolívia descendo a ladeira de novo. Na quarta-feira 26, tanques e soldados a mando do general Juan José Zúñiga derrubaram um dos portões do Palácio Quemado, sede do governo. Era mais uma quartelada em um país que, desde o início do século XX, teve catorze presidentes depostos na marra, em golpes de Estado. Zúñiga tinha sido destituído na véspera pelo presidente Luis Arce do cargo de comandante das Forças Armadas por insubordinação, ao afirmar em rede nacional que não permitiria uma possível nova candidatura em 2025 do ex-presidente Evo Morales, que governou de 2006 a 2019. Com evidente ironia, o revoltoso disse ter agido para “reestruturar a democracia que seja uma verdadeira democracia”.
O presidente — aliado antigo de Morales, mas de quem já se afastou — denunciou a movimentação (“mancham o uniforme”), nomeou um novo chefe do Exército e mexeu em todo o comando militar. O substituto de Zúñiga, José Wilson Sánchez, ordenou o retorno à caserna: “Ninguém quer ver as imagens que estamos vendo nas ruas”. A situação, que parecia controlada poucas horas depois, com a prisão do mandachuva da rebelião, é um retrato esculpido em areia movediça de um desastre só comparável ao da Venezuela, com escassez de dólares e combustível — iniciado em 2006, com o primeiro dos três mandatos de Morales, afeito a vilipendiar a democracia. A ver os próximos capítulos.
Publicado em VEJA de 28 de junho de 2024, edição nº 2899