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O risco que paira sobre a eleição na Alemanha

Eles escolherão o próximo chanceler no dia 23, com boas chances de opção pelo liberalismo conservador, mas com perigo de apoio de extremistas

Por Amanda Péchy Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 15 fev 2025, 08h00

Pouquíssimas causas ecoam tanto e tão mercurialmente pela Europa quanto a luta anti-imigração. Espécie de cola ideológica entre cidadãos que se sentem ameaçados pela presença de estrangeiros em sua própria casa, ela tem sido responsável pela expansão dos partidos de extrema direita pelo continente. Debaixo do manto da preservação de empregos e dos benefícios sociais de quem nasceu na banda próspera do planeta, essas organizações não se constrangem em agitar a bandeira da intolerância e da xenofobia.

Em nenhuma nação, o flerte com o radicalismo de direita causa tanto receio quanto na Alemanha, o berço do nazismo. Ainda que atualmente nenhum candidato ouse defender nada parecido com a supremacia da raça ariana, ou o extermínio de minorias, é sob o temor de um retorno a ideias do passado que as eleições para a escolha do novo chanceler, no dia 23, devem ocorrer. O que assusta é o crescimento da Alternativa para a Alemanha (AfD), à direita da direita, entre o eleitorado.

SURPRESA - Weidel, da AfD: deportações em massa para fazer o país crescer
SURPRESA - Weidel, da AfD: deportações em massa para fazer o país crescer (Sean Gallup/Getty Images)

Assolada por uma grave estagnação econômica que já dura três anos, com inflação alta e emprego em baixa (veja o quadro), a ideia de uma “Alemanha para os alemães” tem ganhado cada vez mais força. Por enquanto, contudo, quem lidera a corrida, com cerca de 30% das intenções de voto, é a União Democrata-Cristã (CDU), partido de centro-direita que tem em Angela Merkel seu maior farol. Embora guarde divergências com a mulher que dirigiu a locomotiva da União Europeia por dezesseis anos, levando a uma expansão do PIB alemão em 34%, seu companheiro de partido, Friedrich Merz, pretende repetir a receita de corte nos gastos públicos para recolocar o país nos trilhos do crescimento. A AfD vem em segundo lugar, com cerca de 22% de apoio entre os eleitores, insuficiente para vencer a disputa, mas alto o bastante para dobrar o número de assentos no Parlamento. A principal expoente da legenda, Alice Weidel, defende a adoção de deportações em massa de imigrantes.

arte Alemanha

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A corrente já havia mostrado força nas eleições estaduais de setembro, quando conquistou o governo da Turíngia, no leste do país. A vitória assustou os opositores, que fizeram um pacto para isolar a legenda e não realizar nenhum tipo de aliança política com os radicais. Mas o Brandmauer, a porta corta-fogo, como o acordo se tornou conhecido, não demorou a ser rompido por Merz. O atual líder da oposição ao governo do social-democrata Olaf Scholz teve o apoio da AfD para tentar aprovar uma lei anti-imigração que previa controles permanentes nas fronteiras e a rejeição de todo e qualquer pedido de asilo. O projeto não foi para a frente, mas causou enorme rebuliço. Merkel interrompeu o resguardo da aposentadoria para se posicionar contra o dirigente da própria agremiação. “Não posso ficar em silêncio, é errado formar maiorias com a AfD”, declarou a ex-chanceler.

A desavença não ficou restrita aos círculos partidários. Mais de 300 000 manifestantes se reuniram em Munique, Hanover e Rostock, no último fim de semana, empunhando slogans contra o racismo e o ódio. Ciente do deslize, Merz se apressou em responder. “Não trabalharemos com a AfD, nem antes da eleição nem depois nem nunca”, bradou em comício. Não convenceu. Pesquisas indicam que menos da metade dos eleitores acredita em suas palavras. “Merz crê que pode conter o sucesso da AfD apenas se apresentando como opção, normalizando políticas antes restrita à extrema direita”, diz Vinícius Bivar, doutor em história da Universidade Freie, em Berlim.

REAÇÃO - Protesto em Berlim: centenas de milhares nas ruas contra o racismo e o ódio
REAÇÃO - Protesto em Berlim: centenas de milhares nas ruas contra o racismo e o ódio (Hannibal Hanschke/EFE)
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Depois do recuo estratégico de Merz, as conversas de aliança parecem restritas, agora, ao Partido Social-Democrata (SPD) e ao Partido Verde, que mantêm 17% e 13% de apoio, respectivamente. Um pacto da CDU com as agremiações de centro-esquerda repetiria o instável arranjo realizado em torno do governo de Scholz. Atrelado ao slogan “Uma Alemanha da qual podemos nos orgulhar novamente” (qualquer semelhança com “fazer os Estados Unidos grandes de novo”, de Trump, não é mera coincidência), Merz prometeu restringir a imigração, reduzir impostos e cortar 50 bilhões de euros em gastos sociais. As discordâncias ao redor do orçamento entre campos ideológicos opostos, aliás, é que levaram à queda do atual chanceler. Enquanto ele queria tomar empréstimos para engrossar os investimentos públicos, aliados de ocasião defendiam enxugar benefícios sociais e reduzir impostos. E então deu-se o cisma.

TENSÃO SOCIAL - Atropelamento proposital em Munique: saldo de 28 feridos
TENSÃO SOCIAL - Atropelamento proposital em Munique: saldo de 28 feridos (Michaela Stache/AFP)

O aumento do ressentimento da população é turbinado por incidentes envolvendo imigrantes. Na quinta-feira 13, um motorista afegão, que teve um pedido de asilo negado, deixou 28 feridos ao avançar com o carro contra uma multidão de sindicalistas que marchava por direitos pelas ruas de Munique. A polícia ainda investiga as motivações. Mas o principal pano de fundo é mesmo a incapacidade da economia de absorver toda a mão de obra excedente. Sem ocupação, os imigrantes acabam pressionando os serviços sociais e reforçando a tese de que há uma invasão de trabalhadores indesejados. A poderosa indústria alemã sofre com os altos custos de mão de obra, com o encarecimento da energia e, sobretudo, com a competição da China. Recentemente, a Volkswagen anunciou que, pela primeira vez, fechará três fábricas no país e cortará milhares de postos de trabalho. A Bosch, maior fornecedora de autopeças da Alemanha, planeja fechar até 10 000 vagas em todo o mundo, sendo que dois terços devem se concentrar na matriz. “Sem grandes mudanças, o potencial de crescimento de longo prazo da economia é extremamente limitado”, avaliou o banco Berenberg.

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ADEUS - Olaf Scholz: equilíbrio frágil levou à derrocada do chanceler
ADEUS - Olaf Scholz: equilíbrio frágil levou à derrocada do chanceler (Thierry Monasse/Getty Images)

Além de mandar estrangeiros para casa, medida que recebeu o nome eufemístico de “remigração”, a proposta da radical Weidel apresentada em seu “plano de futuro” é tão simples quanto controversa: fechar a fronteira em definitivo, sair da União Europeia e acabar com o salário mínimo. Ela também defende baratear o preço da energia, acabando com a geração de fontes sustentáveis, como as eólicas. Lésbica assumida, a líder da AfD é casada com uma imigrante do Sri Lanka, com quem tem dois filhos, e, de acordo com a imprensa local, é neta de um juiz nazista. Seus correligionários relativizam os atos do Terceiro Reich. Ainda que se apresente como uma versão moderada nas urnas, o partido é a prova de que a sombra do nazismo ainda paira por lá. Nunca é demais lembrar que, em 1933, em meio à uma forte recessão, Hitler foi democraticamente eleito. Dificilmente a AfD chegará ao poder, mas a Alemanha vive dias nervosos, e o mundo prende a respiração.

Publicado em VEJA de 14 de fevereiro de 2025, edição nº 2931

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